Páginas

segunda-feira, 16 de abril de 2012

BOB DYLAN PASSEANDO A PÉ NO RIO

ESTADÃO.COM.BR
Cara de touca. Pouco antes das 16h, saída pela esquerda, já abastecido de uma refeição que custava metade do couvert do Fasano, tomando o rumo da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, para o táxi final antes do show. Ao menos no show ele dará as caras, e a torcida é para que essa noite promova novamente um encontro com a sua música mutante que inaugurou uma nova perspectiva para a arte contemporânea. "Aquele cara de touca e casaco ali parece o Dylan", ela diz, desencanadamente. Só o que me faltava, um sósia a essa hora, eu pensei. Mas aí o sujeito se virou para a avenida e o sangue gelou nas veias.

"A máquina! A máquina! A máquina! É ele! É ele MESMO!" Os segundos pareciam horas, a avenida parecia mais larga, e Dylan olhava para um lado e para o outro sem se decidir, parado na frente da banca de jornais da Rua Inhangá. "No direction home", como sempre. Se for para o outro lado, vai pegar mal correr atrás dele, pensei. Mas aí ele veio para o nosso lado, tranquilamente, como se fosse parte da paisagem, sem causar nenhuma curiosidade dos velhinhos e dos cães de estimação de Copacabana. Caminhando resoluto, com as mãos nos bolsos. Fez uma careta quando viu a máquina fotográfica, mas não parou, continuou andando na direção da lente, e passou por nós aceleradamente.



"Hey, Dylan!" Ele já ia sumindo na rua quando se voltou e respondeu com um grunhido: "You are a f... paparazzi!" Não, não, não, eu jurava, querendo acreditar em minhas próprias palavras. "Para quê a foto?", ele perguntou. "Para o Facebook, para a gente mesmo", menti. Eu me peguei mentindo para Bob Dylan, minha alma estava ficando atormentada, ele era o primeiro ídolo e será o último. "Por quê?", ele ainda perguntou. "Porque você é um dos importantes artistas do século 20", respondi.
E ele sorriu. Só aí ele relaxou. Pediu para a garota se aproximar, para que eu tirasse uma foto dele com ela. As mãos tremiam, o foco desapareceu, a rua desapareceu. Sorriu quando ela perguntou se estava se divertindo no Rio. "Eu adoro!" Não sabia mais como mantê-lo ali. "Você está com fome?", perguntei. Dylan acariciou a barriga com as mãos, fazendo o clássico gesto de bucho cheio. "Não mesmo." Eu apontei: "É que ali na rua de trás tem uma cantina italiana daquelas clássicas, sabe aquelas que parecem frequentadas pela máfia? Muito boa mesmo." Ele se interessou: "Para lá?" Sim, eu disse. "Ok", ele disse, sorrindo de novo, e mudou a direção para a rua de trás. Resolvemos deixá-lo em paz (mas aposto que ele viu a gente pulando e se abraçando no meio da rua como doidos).
Trinta e quatro graus na sombra, e Dylan de casaco, gorro de lã e bota de caubói. Achamos que ele se disfarçaria melhor se saísse de sunga branca e fones de iPod nos ouvidos. No táxi, as mãos ainda suavam, o coração destrambelhado, e eu olhava para o Rio e sorria como uma criança. Não acreditava nos próprios sentidos. Publicar isso tudo seria trair a confiança do velho Dylan? Acho que só se fosse por lucro, e não é o caso.
Ao deixar a gente no hotel, o taxista, que ficou só ouvindo a euforia, perguntou: "Quem vocês focaram?" Ao ouvir a resposta, ele demonstrou conhecimento do assunto. "Ah, o senhor Zimmerman! O narigudo! Aposto que o reconheceram pelo nariz, não?"

Nenhum comentário:

Postar um comentário