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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O RELOJÃO DE LONDRINA ( EDIFÍCIO AMÉRICA DO SUL )

FOLHA DE LONDRINA
O gigante implacável
O tempo nos controla, mas ninguém controla o tempo: no horizonte de Londrina os ponteiros giram e avisam a cidade que a viagem dela é eterna
É um monumento ao tempo, ao tempo que nos disciplina e nos consome, ao tempo que nos avisa que a gente não é para sempre, porque sempre há um aviso lá no alto de que a cidade só é eterna no todo porque em partes ela é fragilmente finita. Quando o Relojão rompeu o horizonte no final dos anos 1950, Londrina já era uma obra humana promissora e bem-sucedida. 

Os 12 milhões de minutos que já tinham ficado para trás desde a fundação do município já tinham transformado mato em concreto, suor em dinheiro, dor em diversão. Ainda havia cafezais avistando os ponteiros, mas já havia muito mais que isso. 

Nos 17 pavimentos abaixo do monumento, um lugar que revelava o quanto cada minuto é uma partícula de transformação. Os escritórios, os negócios, o cheiro e a degustação do café, os cheques polpudos, a arquitetura moderna, o Edifício América era o termômetro de uma cidade febril. 

Dezenas de metros acima do Calçadão, o espigão respira, se encerra todo dia com uma vista generosa, ainda protegida "na cidade que sobe e que cresce", como se a selva de pedra abrisse uma clareira em respeito ao contador do tempo. 

A terra que ainda rima com menina já amadureceu e para isso precisou de cada um dos 29 milhões de minutos registrados pelo Relojão, as 482 mil horas desde aquele janeiro de 1958 exterminaram os cafezais, lá de cima a engrenagem não parou e foi rodando para lembrar que o mundo rodopia como um pião: o chapéu saiu da cabeça dos homens, as roupas encurtaram, há quem diga que os dias e principalmente as noites abateram impiedosamente as boas maneiras, liberaram o que era proibido, proibiram o que era liberado, atrofiaram as transações comerciais, inventaram outras, revogaram títulos – quem ainda acredita que somos a capital mundial do café? - abrigaram redenção, contaram um tempo feito de vergonhas municipais, estaduais e federais. Mas abaixo dos giros, viveram glórias da mesma proporção. O Relojão não parou na maior alegria mas prosseguiu, aliviante, na maior tristeza. 

A grande máquina oca é um quadrado com lados de 6,5 metros, com mostrador e marcos de concreto, com ponteiros – o maior de três metros e o menor de 2,80 - de zinco galvanizado. A energia vem de pulsos eletromecânicos, que movimentam a engrenagem. 

Mas lá de baixo, o gigante pode ser feito de angústia e de ansiedade. É o tempo de todos, na verdade, o tempo de todos que não pertence a ninguém. 

A Londrina que hoje se orgulha de tão poucos giros de ponteiros para realizar essa façanha de ser assim tão monumental vai, quem sabe, se envaidecer um dia de ter um relógio tão velho que parece que sempre existiu. 

Máquinas não têm alma. Emprestam dos homens mais generosos. Os toques vitais da engrenagem que ninguém vê partem de um homem franzino e determinado, o relojoeiro Ueda Tetsuo, de 76 anos. É dele a incumbência de manter a viagem do Relojão constante e exata. Desde 1963, ele azeita o relógio-monumento sobre o Edifício América. A tarefa foi repassada pela Dimep (fabricante que hoje é mais conhecida pelos relógios-ponto), empresa que montou a estrutura e da qual era representante técnico. 

Paulista de Promissão, começou a trabalhar com relógios em Presidente Prudente (SP). Veio para Londrina atraído pela fama. Aqui se casou e formou família. Embora ele seja remunerado pela Nissei, rede de farmácias que tem uma loja no térreo do edifício e que banca todos os custos de funcionamento da máquina desde 2006, garante que acertar o Relojão "é uma coisa que faço com muito amor e há muito tempo". O filho Carlos Yukio, de 42, ajuda o pai e é o natural herdeiro da nobre função. Já faz alguns ajustes na máquina sem a presença dele. 

A maior preocupação do senhor Tetsuo é o regime de ventos. Quando as rajadas são muito fortes, como aconteceu algumas vezes este ano, o ponteiro dos minutos tem se movido. "Uma bucha se desgastou e o encaixe está meio frouxo. Depois do vento, sempre olho se não houve alteração. Se houve, eu entro no relógio e faço o ajuste", explica. 

Anderson Coelho
O relojoeiro Ueda Tetsuo, de 76 anos, tem a incumbência de manter a viagem do Relojão constante e exata-Lúcio Flávio Moura-Reportagem Local

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