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quinta-feira, 20 de março de 2014

A VERDADE SOBRE OS JUDEUS EM ROLÂNDIA

JORNAL DE LONDRINA

UEL pesquisa história de judeus que fugiram do regime nazista e se refugiaram no norte do Paraná

Entre 1933 e 1941, cem famílias de refugiados do regime nazista na Alemanha vieram para Rolândia (distante 27 km de Londrina) fugidos dos horrores praticados por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. O projeto Etnicidade e Morte, do curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), há cinco anos pesquisa as relações de identidade e religiosidade na colônia judaica em Rolândia.
O coordenador do projeto, professor Marco Antônio Neves Soares, afirma que foram gravadas 30 horas de entrevistas. “Trabalhamos também com relatos escritos pelos próprios judeus que se estabeleceram em Rolândia”, diz ele. “Tem as memórias de Ricardo Loeb-Caldenhof, morto na década de 80; de Graf Von Galen; de Susane Behrend e seu irmão Rudolf Stern; de Max Hermann Maier; além de documentos e 90 livros que os refugiados trouxeram da Alemanha.”
O trabalho deve ser concluído em outubro deste ano e já é possível levantar informações importantes que revelam um pouco do que essas famílias viveram num período que envergonhou toda a humanidade. Soares afirma que Rolândia foi descoberta pelos judeus por meio dos ingleses, que vendiam, na Europa, terras do norte do Paraná (Companhia de Terras Norte do Paraná).
Muitos dos judeus que chegaram a Rolândia eram, na Alemanha, grandes juristas, artistas, intelectuais. “Eles também tinham em suas famílias, pessoas de destaque no cenário alemão e mundial”, afirma Soares. Como Susane Behrend, cujo tio foi prêmio Nobel da Química, Fritz Haber; ou Hulda Bielschowsky cujo tio desenvolveu a cirurgia para estrabismo.
O medo de serem descobertos e mandados de volta para a Alemanha, para serem exterminados, levou essas pessoas de alto nível intelectual a fugirem de centros urbanos logo que chegaram ao Brasil. “Eles optaram por virem para um lugar que é quase uma selva e se dedicarem à agricultura, atividade com a qual não tinham nenhum contato na Alemanha”, afirma Soares.
Foi também esse medo um dos motivos, de acordo com o professor, que levou os judeus a não se organizarem como comunidade em Rolândia. A única relação que eles mantinham uns com os outros se dava por meio dos empréstimos de livros.Todos trouxeram muitos livros, a família Stern trouxe dois mil.
Eles se ajudavam, mas não mantiveram relações estreitas, de acordo com Soares. Havia também uma tensão entre os próprios judeus. “Encontramos um certo ressentimento na fala de alguns desses refugiados. Isto porque alguns conseguiram comprar terras e outros foram trabalhar de empregados nessas propriedades.”
Família Stern perdeu quase tudo durante a fuga para Rolândia
A família Stern fugiu da Alemanha em 1939, ainda com as palavras da Gestapo ecoando em suas mentes: “Nosso braço é comprido e vamos pegar vocês em qualquer canto do mundo se disserem o que viram e viveram aqui.” Susanne Stern Behrend, 88 anos, lembra do terror que sentiram durante os anos do holocausto.
Os Stern estão entre as famílias de judeus que se refugiaram em Rolândia. Susanne conta que eram em cinco: ela, os pais, o irmão e a avó, e que foram para a fazenda de um amigo do pai dela. O pai de Susanne tinha se formado em direito na Alemanha e se transformado em dono de serraria.
Na fuga, os Stern perderam quase tudo e entraram no Brasil com pouquíssimo dinheiro. A família chegou sem dinheiro e acompanhada do terror do campo de concentração de Sachsenhausen, em Brandenburgo, onde o pai ficou um mês.
“Não conhecíamos a língua, não tínhamos nada e tínhamos muito medo”, conta Susanne. “Falávamos sempre muito baixo, olhando para todos os lados para nos certificarmos de que ninguém estava nos ouvindo.”
Essas condições eram tão restritivas que os Stern não se relacionavam nem mesmo com os outros judeus que já estavam em Rolândia e que foram chegando depois. “Os judeus estavam pelas fazendas e poucos tinham dinheiro. Vinham para a cidade só para comprar mantimentos e logo voltavam.”
As tradições judaicas não tinham lugar nessa nova vida. “Não mantivemos nenhuma”, conta. “Para formar uma comunidade judaica é preciso 10 homens adultos para fazer uma reza, por exemplo. E os judeus não tinham contato entre si.”
Anos depois de terminada a Segunda Guerra Mundial, os judeus que chegaram a Rolândia continuaram sem se organizar em comunidade e cultivar suas tradições. Susanne conta que não passou nenhuma delas para seus filhos. “Ficou um machucado tão profundo que eu decidi dar a religião cristã para meus filhos”, afirma. “Ser judeu é uma carga muito pesada.”

Susanne só voltou à Alemanha, com o marido Helmut Behrend, nos anos 80, para conseguir angariar fundos à Apae de Rolândia, da qual o casal foi fundador. “Eu jamais voltaria a morar na Alemanha. Não quero nem ser enterrada lá.”

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