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domingo, 2 de agosto de 2015

80 ANOS DO TREM NO NORTE DO PARANÁ NA FOLHA

FOLHA DE LONDRINA

Há 80 anos, o espetáculo da ferrovia em LONDRINA.


Na solenidade de inauguração, em 28 de julho de 1935, o presidente da Companhia de Terras causou surpresa ao afirmar que havia no governo federal a intenção de mudar o nome da cidade

Arquivo Folha
Os mais de 25 quilômetros de trilhos de Jataí a Londrina haviam sido motivo de apreensão, pela demora, motivada pela recessão internacional
Reafirmando a predição de que a ocupação do "far west paranaense" seria impulsionada pelo caminho de ferro, a "maria-fumaça" ostentando as bandeiras paulista e paranaense, a do Brasil e a do Reino Unido protagonizou o espetáculo na manhã de 28 de julho de 1935 em Londrina. Inaugurava-se o tráfego ferroviário na "incipiente capitalzinha do setentrião", sede municipal desde o ano anterior. 


Assim que se ouvisse "o silvo das locomotivas quebrando a quietude nas bandas de São Jerônimo teríamos uma Bauru a fornecer cereais para o Brasil inteiro", previra Edmundo Alberto Mercer, uma década e meia antes, divisando – se deduz – o que viria a ser Londrina à semelhança daquela cidade paulista com a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. 

Fato surpreendente na solenidade inaugural: o presidente da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), advogado João Domingues Sampaio, revelou que "áulicos" da ditadura Vargas" (o governo federal) pretendiam mudar o nome da cidade. Presente o interventor Manoel Ribas, na plataforma da estação, Sampaio terminou seu discurso "fazendo exortação ao Governo para que assegurasse a perenidade desse nome" – Londrina. 

"A população aglomerada aplaudiu-me, com entusiasmo; Manoel Ribas solidarizou-se à sua elevada e expressiva significação e prometeu consolidá-la", relatou Sampaio, que havia nominado a cidade em 1932. "Como as filhas de Londres", o significado, em homenagem aos ingleses da CTNP. 

Os 25 km + 776 m de trilhos de Jataí a Londrina haviam sido motivo de apreensão, pela demora. Infere-se que a recessão internacional causada pelo "crash" na Bolsa de Nova York em 1929 forçou a Cia. Ferroviária São Paulo-Paraná a permanecer "estacionada" em Jataí desde maio de 1932 até que pudesse retomar a obra em 1933; ainda era preciso fazer a ponte no rio Tibagi. O poderoso grupo britânico liderado por lorde Lovat, dono da ferrovia, não estaria imune à crise. 

Para os trilhos avançarem, houve até uma contribuição do Governo do Estado, que decidiu pagar 1.647 contos de réis ("principal") do total de 2.566 (somados os juros) em haver pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), sob a condição de o valor ser "aplicado exclusivamente na construção do trecho da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná (…) do Rio Tibagi em direção a Londrina". O crédito era referente à compra de 2.000 apólices do Porto de Paranaguá, em 1927, pelo grupo de Lovat.
Widson Schwartz - Especial para a FOLHA


Multidão cosmopolita aguardava a ferrovia

"O caminho de ferro, entre nós, foi um criador de cidades; e até que estas se desenvolvessem pela (...) expansão das propriedades agrícolas, tiveram os trens de correr para buscar o café no interior através de pequenos núcleos urbanos e de grandes extensões inexploradas e solitárias", definiu o sociólogo e historiador Fernando de Azevedo as ferrovias no contexto da cafeicultura. 


Consta em "Um trem corre para o Oeste", sobre a Noroeste do Brasil, mas que se aplica perfeitamente ao Norte do Paraná e serve para que se estabeleça o paralelo Bauru/Londrina. 

No trecho paulista da Noroeste "é Bauru que nascia na boca do sertão (...) em 1905 e passou de 600 para 8.000 almas em três anos e já em 1940 contava 32.785 habitantes; é Birigui que, fundada em 1911, já era em 1940 sede de um município cuja população atingia 42.912 unidades e que se considerava o maior produtor de cereais da região" [noroeste paulista]. 

Menos de um ano após a chegada do trem, há 10 mil habitantes no município de Londrina, dos quais 3.305 na cidade, "segundo o recenseamento ultimado em 30 de março de 1936", noticiou o Paraná-Norte (edições de 19 e 26/4/36). "A cidade de Londrina tem, neste momento, 3.305 habitantes distribuídos entre 690 famílias, sendo: brasileiros 2.655, italianos 129, alemães 126, espanhóis 100, portugueses 85, japoneses 84, russos 27, poloneses 23, sírios 22, tcheco-eslovacos 22, húngaros 11, austríacos 10, suíços 5, ingleses 3, norte-americanos 3. Maiores de 18 anos 1.849, de 15 a 18 anos 163, de 6 a 14 anos 720. Menores de 6 anos: 573." 

Em 1940, são 70 mil habitantes no município, dos quais 10 mil urbanos, distinguindo-se a "multidão cosmopolita" (cosmopolitan crowd) como a que Arno S. Pearse encontrou em 1924 em Birigui e fez constar no relatório da missão inglesa do algodão. Um "encontro de raças e culturas para implantar a prosperidade", segundo Azevedo.(W.S.)


HISTÓRIA - Vargas 'brecou' os ingleses no far west

Por divergência do governo ditatorial, os ingleses não conseguiram ir além de Apucarana com os trilhos e se retiraram em 1944, com a venda dos empreendimentos a brasileiros

Arquivo Folha
Em 1934, a Companhia de Terras Norte do Paraná anuncia que a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná estaria "destinada a ser a mais (…) importante do Brasil"
Agrimensor e explorador, natural de Tibagi, Edmundo Alberto Mercer abrira em 1911 a estrada "Boiadeira", entre o Salto Ubá (no rio Ivaí) e Porto Camargo (no rio Paraná) passando por Campo Mourão, com a finalidade de o Paraná receber gado diretamente de Mato Grosso. Em artigo intitulado "Far-West Paranaense", no Diário da Tarde (Curitiba) de 22 de abril de 1921, Mercer distingue "uma superfície de uns 100.000 km² que se desdobra ao longo do Rio Paraná (o litoral do oeste), ladeada pelo Iguaçu e o Paranapanema", em cujo interior se distinguem o Rio das Cinzas, o diamantífero Tibagi, o Ivaí, o Piquiri e tantos outros. 


"Falta aqui o paulista audaz e enérgico", reparava. Tivéssemos tido aqui esse digno representante dos bandeirantes ou quem o imitasse, por certo a esta hora estes sertões estariam cortados, em todas as direções, de estradas de ferro, único elemento capaz de fazer, nestes tempos, o progresso de um país e a grandeza de um povo." 

Coincidência ou não, a Companhia Ferroviária Noroeste do Paraná recebe do governo paulista, em 25 de novembro de 1922, "licença para construção, uso e gozo" de uma ferrovia de nove quilômetros entre a estação de Ourinhos [Sorocabana] e um ponto na margem esquerda do Rio Paranapanema. Os restantes 20 quilômetros, até Cambará, são liberados pelo Estado do Paraná. 

Os Barbosa Ferraz, Manoel da Silveira Corrêa, os Ribeiro dos Santos e Willie Davids davam o primeiro passo para a ligação Santos-Assunção idealizada por Cincinato da Silva Braga, deputado federal por São Paulo a partir de 1891. Autor de A Intensificação Econômica do Brasil (1917), delegado brasileiro em organismos internacionais e presidente do Banco do Brasil (1924), sua visão era a ferrovia através do norte do Paraná, daí rumando para oeste, até onde transpusesse o grande rio, abaixo das Sete Quedas, entrando no Paraguai. 

Entre 1925 e 1928, o grupo de Lovat compra a concessão da ferrovia e 515 mil alqueires no Norte Novo. Sob o título "A caminho do Paraguai", no Paraná-Norte de 18 de outubro de 1934, a Companhia de Terras Norte do Paraná anuncia que a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná "está destinada a ser a mais (…) importante do Brasil", pois irá atravessar "a zona mais fértil, mais pujante e mais apropriada a todas as culturas" e atingir o "interland argentino e paraguaio, que terão a sua ligação com os portos de Santos e Paranaguá" [prevista uma conexão com a São Paulo-Rio Grande]. 

Mas por divergência do governo ditatorial, sob a presidência de Getúlio Vargas, os ingleses não conseguiram ir além de Apucarana com os trilhos e se retiraram em 1944, com a venda dos empreendimentos a brasileiros. 

"De Cambará, onde um honesto esforço de brasileiros a levou, perfazendo uma extensão de 30 quilômetros, a ferroviária [empresa], sob influxo da nova organização, trouxe os trilhos até o km 270, ao atingir Apucarana", expôs o engenheiro Aristides de Souza Mello em 1944, então diretor-técnico da colonizadora. 

"Cerca de 100 milhões de cruzeiros foram gastos nessa benéfica iniciativa e o Estado, reconhecendo o alcance da obra e o esforço, não lhe foi indiferente. Contribuiu com o subsídio de 28.800 cruzeiros por quilômetro. E assim se começou a colonizar", resumiu.

Widson Schwartz -  Especial para a FOLHA

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