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quarta-feira, 15 de março de 2017

O cemitério alemão São Rafael de Rolândia

FOLHA DE LONDRINA - PAULO BRIGUET


Aqueles que descansam neste lugar procuraram um refúgio e encontraram uma pátria

Paulo Briguet

Pai, Há muito tempo eu precisava mostrar este lugar a você. Quem me trouxe até aqui foi um amigo alemão, pertencente a uma família de judeus que fugiram do nazismo e encontraram refúgio no Norte do Paraná. Este lugar se chama de Cemitério São Rafael e fica na zona rural de Rolândia. Ali repousam dezenas de imigrantes alemães, muitos deles com origem judaica. 

É raro encontrar um lugar de tanta paz. Naquele pedaço de terra, ao lado de uma capela e em meio aos campos semeados, repousam histórias repletas de luta, trabalho, sofrimento e amor. Meu amigo alemão traduziu a inscrição de uma das lápides, logo na entrada: "O amor e a luz de Deus cuidam de mim como a mãe amorosa cuida da sua criança que dorme". 

Lembra como nós gostávamos de visitar cemitérios, pai? Alguns consideravam um hábito estranho, mas eu não ligava. Naqueles passeios entre os campos santos eu aprendi muito. Agora estou aqui, pai, fascinado com a beleza e verdade que emanam destas pedras, destas flores, destas árvores, destes nomes. 

Aquele foi um grande industrial na Alemanha, sofreu muito durante a guerra. Este acho que era carpinteiro, construiu sua própria casa em Rolândia. Ali descansa o menino epilético que morreu aos 12 anos, em um trágico acidente. Este se chamava Maximilian; para fugir da Alemanha, fez a inacreditável rota de fuga pela Índia e China. Gostava de tocar jazz no piano. Este foi um grande médico, chamava-se Wolfgang, um homem muito admirado, mas melancólico. Este era dono de uma das maiores editoras alemãs. Vê aquele arbusto? Embaixo dele está sepultado o pai de um dos pioneiros do plantio direto no Brasil. 

Aqui jaz a mulher que trabalhou na Alemanha com Otto Hahn, o cientista descobridor da fissão nuclear. A esta, quando idosa, meu amigo alemão lia poemas na língua de Goethe. Este nasceu em 1862 e morreu em 1945. Em seu túmulo se vê a Estrela de Davi. "Ao menos ele teve a satisfação de ver a derrota dos nazistas", diz meu amigo alemão. 

Entre cruzes, estrelas de Davi, lápides, nomes, datas e frases em alemão, o vento sopra suavemente sobre a relva e um girassol nasce solitário ao lado do muro de pedra. Os homens e mulheres que aqui repousam buscaram um refúgio e encontraram uma pátria. Não deve ser por acaso que o cemitério alemão de Rolândia leva o nome de São Rafael. O anjo, que aparece apenas uma vez nas Escrituras, é considerado protetor dos viajantes. E este lugar é o destino final de uma viagem através do tempo e do espaço, durante a qual podemos ouvir, entre o silêncio do campo, os versos de Eichendorff transformados em canção por Schumann: 

"E minha alma estendia 
Amplamente suas asas 
Voando pelos silenciosos campos 
Como se estivesse voltando para casa". 

(PS: Agradeço à querida Suely Arantes por ter me apresentado o amigo e o lugar.)

Fale com o colunista: avenidaparana @ folhadelondrina.com.br

por Paulo Briguet

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