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sábado, 11 de agosto de 2018

DECLÍNIO DAS FERROVIAS NO PARANÁ




FOLHA  DE LONDRINA


Nas estações ferroviárias do Paraná, em 2017 foram embarcadas e desembarcadas 30,5 milhões de toneladas de produtos, volume 16% superior em relação ao ano anterior. A malha sul da Rumo Logística representou 97% desse total e os outros 3% ficaram com a Estrada de Ferro Paraná-Oeste. 

O volume de carga transportado no ano passado aponta uma recuperação após um período de quedas sucessivas, entre 2013 e 2016, decréscimo resultante da redução no transporte de farelo de soja. Atualmente, o açúcar representa 25% do total de cargas embarcadas e desembarcadas nas estações paranaenses, seguido pela soja (23%), milho (11%) e celulose (6%).

Em 2017, o município de Paranaguá representou 35% do total de cargas embarcadas e desembarcadas no Paraná, seguido por Maringá (25%), Londrina (7%) e Araucária (7%), segundo levantamento feito pela CNI com base em dados computados pela ANTT.


Do total de linhas férreas sob a concessão da Rumo Logística, que detém a maior fatia do transporte ferroviário no Paraná, 28,8% estão ociosas e 26,7% são consideradas operacionalmente inviáveis, aponta a CNI.

PERDA DE COMPETITIVIDADE


Embora o frete do transporte ferroviário de cargas seja mais barato do que o rodoviário, as ferrovias perderam competitividade em razão do tempo longo de trânsito, opina o relator do Projeto Ocupação do Território Nacional pela Ferrovia Associado ao Agronegócio e consultor do IE (Instituto de Engenharia), Jorge Hori. “Uma carga que leva 30 dias para chegar ao ponto de destino não consegue concorrer com uma carga que leva três dias de transporte pela rodovia”, compara.


Esse modal só é competitivo quando permite trajetos diretos entre o embarque e o desembarque ou no caso das short lines, que são as ferrovias menores que servem para alimentar as ferrovias maiores ou rodovias estruturais por meio do sistema de distribuição, ressaltou Hori. “Querer mudar a matriz de transporte é uma questão de competitividade.”


O IE lista uma série de vantagens das ferrovias em relação às rodovias. Além de mais eficientes para transportes de longa distância, não há congestionamentos, o número de acidentes e roubos de cargas é menor, há menos emissão de poluentes e o impacto ambiental para a construção das linhas férreas é 2,5 vezes menor em comparação com as rodovias. O instituto cita ainda a grande capacidade de transporte com custo mais baixo de operação, a redução de perdas e o fato de ser um indutor de tecnologia e infraestrutura de utilidades para cidades, como energia e telecomunicações, por exemplo. Mas Hori lembra que o custo do investimento é maior e são necessários subsídios do Estado. “Quando o investimento é feito exclusivamente pelo operador, precisa de um prazo muito grande para amortizar esse investimento.”


O Brasil, acredita Hori, pode ampliar o transporte ferroviário de cargas, mas é preciso que tenha uma visão “de longo prazo e realista”. “Não pode se basear em romantismo, em nostalgia. O mundo mudou”, pondera.


ABANDONO

Celso Felizardo

MARQUES DOS REIS


O intenso movimento de caminhões em frente a uma fábrica de ração destoa da típica calmaria de Marques dos Reis, distrito de Jacarezinho (Norte Pioneiro). A localidade com cerca de 2.500 habitantes está localizada no extremo nordeste do Estado. Não fosse o rio Paranapanema, seria conurbada com Ourinhos (SP). Apesar da proximidade com a cidade paulista, quem quiser fazer o trajeto é obrigado a desembolsar R$ 20,30, no caso de veículos de passeio. 


“Viajar ficou muito caro, não tem condições. Antigamente, eu saia daqui e ia para Maringá, São Paulo. Hoje, nem saio mais de casa”, conta a aposentada Neuza Benedita Ribeiro, 66. O antigamente a que ela se refere é o recorte temporal anterior a 10 de março de 1981, dia em que percorreu o último trem de passageiros no ramal Ourinhos-Cianorte. “Era baratinho. O trem ia serpenteando as fazendas, a gente ia vendo as paisagens bonitas”, recorda-se.


A casa de Neuza Ribeiro faz fundos com a antiga estação ferroviária de Marques dos Reis. Fundado em 1937, o terminal era o primeiro ponto de parada para quem vinha de São Paulo e entroncamento dos ramais Ourinhos-Cianorte (sentido oeste) e do Paranapanema (sul), com destino a Jaguariaíva e Curitiba. “Hoje só passa trem de carga aqui. Tem dia que passa uma vez, no máximo duas. Tem dia que nem passa”, conta. Isso, apenas no primeiro ramal. O que tem sentido a Jacarezinho até Curitiba está desativado há mais de 15 anos.

De acordo com estudo recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), mais de 8.000 quilômetros de extensão da malha ferroviária do País estão abandonados, distância suficiente para ligar São Paulo a Nova York. O relatório que mostra o abandono de quase um terço da extensão das linhas férreas e expõe a dependência do País de um único modal, o rodoviário, foi encaminhado aos candidatos à Presidência da República.


Adílson Frederico

Adílson Frederico, 50, é ex-ferroviário, um dos poucos que resistem nas casas ao lado à antiga estação. “Isso aqui era tomado por casas. Aqui nesse barranco tinha uma escadaria grande. O pátio ficava lotado. De longe, o povo escutava o apito do trem e já se animava, aguardando quem estava para chegar”, recorda-se emocionado. “Meu pai era ferroviário quando ainda tinha passageiros. Eu entrei na rede em 1987, já era só carga. Era mecânico”, conta.

Nos arredores da estação, um cemitério de vagões deteriorados ilustra a derrocada dos trens. Por entre as ferragens de um vagão, até uma árvore cresceu.

Frederico conta que, ao contrário de muitos outros povoados que desapareceram com o declínio do trem na região, Marques dos Reis conseguiu se manter. “O pessoal deu um jeito, mas que o trem faz falta, faz”, comenta. Ele diz que ajuda a cuidar do prédio que, em 2013, foi reformado por meio de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o Ministério Público e a concessionária. “Estou sempre cuidando para o mato não tomar conta.” Apesar de reformado, o prédio permanece fechado.

JACAREZINHO


“Acho que o trem deve ser bem grande”, imagina a pequena Lívia Donini Machado, 7, ao gesticular com os braços abertos na antiga estação ferroviária de Jacarezinho. 

Acompanhada da avó e da mãe, ela usa o prédio histórico como cenário para fotografias. De repente, a imaginação da menina dá ouvidos às histórias da avó: “Essa estação era muito movimentada. As pessoas andavam muito de trem, até porque as estradas não eram boas. É uma pena ver tudo isso sem uso”, lamenta.

Restaurado em 2013, também pelo TAC que abrangeu seis estações na região, o prédio sofre com o vandalismo. Pichações tomam conta das paredes. A dona de casa Simone Nunes Ferreira, 39, mora ao lado da estação. “A prefeitura até mantém um projeto de capoeira ali, mas precisava ter mais atividades. A maioria do tempo o prédio fica fechado, servindo de ponto de consumo de drogas e para outras coisas ruins”, denuncia. 

Ana Maria Ramos, 29, lembra de quando andou pela última vez na Maria Fumaça que percorria a região. “Eu tinha 9 anos. Já não tinha trem de passageiros, mas tinha uma Maria Fumaça que levava a gente aqui por perto. Acho que devia ter coisas assim. A criançada de hoje só sabe ficar no celular. Deviam pensar em um atrativo desse”, sugere.

A filha dela, Nataly Cristina Ramos, 12, que usa a linha do trem para brincar com os irmãos, também usa a criatividade para tentar descrever o trem. “Devia ser bem legal andar nele. Acho que era espaçoso e ia soltando fumaça”, pressupõe.

CAMBARÁ


De volta ao ramal Ourinhos-Cianorte, a reportagem segue a visita até Londrina pelas estações abandonadas. Uma das únicas exceções é da Cambará. Apesar do péssimo estado de conservação, o prédio ainda abriga um escritório administrativo de turma da Rumo, concessionária que administra o trecho. Sem autorização para conceder entrevistas, a equipe apenas comenta a rotina básica de trabalho e lamenta a força subutilizada das ferrovias. A reportagem entrou em contato com a concessionária Rumo, mas não houve retorno.

Laerte da Silva, 77, mora ao lado da ferrovia. Veio de trem de Santa Cruz das Palmeiras (SP) para trabalhar e resolver ficar. Chegou jovem à cidade e há 12 anos mora ao lado da estação. “A gente sai nas estradas e vê tanto caminhão que dá até medo. Não que seja contra os caminhoneiros, mas é preciso equilibrar as coisas. Tem que ter trem também”, defende.

Assim como na maioria das cidades do Norte Pioneiro, a região da estação em Cambará acabou relegada à periferia. “A cidade acaba crescendo para outros lados. O que é antigo fica para trás”, lamenta. Durante a visita da reportagem, uma equipe da Polícia Militar fazia uma revista em um mototaxista suspeito de entregar drogas no bairro.

Seguindo o trajeto a oeste, o abandono fica evidente em Santa Mariana. Placas de madeira fecham portas e janelas da antiga estação, a mais deteriorada da região. Sem poder fazer manutenção no prédio privado, a prefeitura mantém apenas a conservação da Praça da Bíblia, construída ao lado da estação. “Ali a gente não pode mexer. O que dá pra fazer a gente faz, que é cortar o mato”, conta um dos funcionários, sem se identificar.

ESQUECIMENTO


Se o declínio do trem trouxe perdas econômicas para muitas das paragens, outrora mais representativas, no trecho entre Cornélio Procópio e Jataizinho a situação é ainda mais drástica. O traçado da BR-369 desviou o progresso de localidades como os distritos de Congonhas, em Cornélio Procópio, Cruzeiro do Norte, em Uraí, e Frei Timóteo, em Jataizinho. Encravadas em uma região de relevo acidentado que lembra cidades mineiras, quase todos os moradores mais antigos têm uma história sobre o trem para contar.

Se não há progresso, a tranquilidade conforta o pedreiro Eduardo Machado Severino, 41. “Nasci em Congonhas e nunca saí daqui. Quando tem serviço, vou à cidade (Cornélio Procópio) e volto correndo, gosto bem mais daqui”, conta. Apesar da tranquilidade, um problema bem característico das grandes cidades o afeta: a falta de moradia. Ele, a mulher e a filha de 4 anos moram no prédio abandonado da antiga estação ferroviária. E não são os únicos. Do outro lado de uma divisória de madeira, mora outra família.

Sem condições de pagar aluguel, a saída foi ocupar a estação, após a saída de outra família que morava lá. “Como o prédio é patrimônio histórico, não posso mexer em nada por fora, mas aqui dentro já instalei chuveiro. Agora, quero dar uma melhorada no piso”, planeja. No dia da visita da reportagem, havia duas semanas que eles estavam lá. “No começo foi estranho. O trem passa depois da meia-noite, treme tudo, mas não reclamo. Com o tempo a gente acostuma e, se Deus quiser, logo vamos ter condições de novo de arrumar outro cantinho”.

MEMÓRIA

Anderson Coelho

PASSAGEIROS

Simoni Saris

Se o transporte de cargas ainda é limitado no Brasil, aos passageiros quase não há opções. Na década de 1950, as ferrovias brasileiras chegaram a transportar 100 milhões de passageiros ao ano entre as cidades. Atualmente, os comboios existentes servem mais a viagens turísticas, limitadas a trechos curtos. No Paraná, o único percurso disponível para viagens e turismo é o explorado pela Serra Verde Express, que liga Curitiba a Morretes pela ferrovia Paranaguá-Curitiba. Pelo trajeto que corta a Serra do Mar, passam cerca de 200 mil pessoas ao ano, segundo a empresa.
Londrina - PR

“O transporte de passageiros é um transporte caro, que a tarifa não remunera, então precisa de subsídios e precisa de política de Estado. É preciso avaliar se vale a pena subsidiar o transporte de passageiros de curta ou longa distância”, observa o relator do Projeto Ocupação do Território Nacional pela Ferrovia Associado ao Agronegócio e consultor do IE (Instituto de Engenharia), Jorge Hori. Do ponto de vista turístico, ressalta ele, pode ser vantajoso por gerar renda indireta.

Em razão do deficit “gigantesco” de transporte no Brasil, o País tem público para trens de passageiros, destaca Matheus de Castro, especialista em Infraestrutura da CNI (Confederação Nacional da Indústria). “Agora, se esse transporte poderia ser feito na malha existente atualmente, é outra questão.”

Projeto Trem Pé-Vermelho é alternativa para transporte de passageiros no Norte do Paraná

“Na Europa, o transporte de passageiros sobre trilhos é popular porque tem tradição e volume de passageiros em função do turismo. Mas na China e em outros países, os trens de média velocidade são vinculados à integração regional”, compara Hori. O engenheiro acredita que linhas ligando São Paulo e Rio de Janeiro ou São Paulo e Curitiba comportariam trens mais rápidos porque promoveriam o desenvolvimento das regiões, mas esse modelo de transporte exigiria um investimento muito alto. “O País precisa gerar renda e o retorno seria de longo prazo. Não se pode pensar em uma concessão com retorno em menos de cem anos. Sem isso, não tem condição de amortizar o investimento.”

TEXTOS Celso Felizardo, Patrícia Maria Alves, Simoni Saris

IMAGENS Anderson Coelho, Gina Mardones, Patrícia Maria Alves

IMAGENS HISTÓRICAS

EDIÇÃO E PRODUÇÃO MULTIMÍDIA Patrícia Maria Alves

EDIÇÃO DE TEXTOS Fernando Faro

ARTE Patrícia Sagae e José Marcos da Silva


APOIO LOGÍSTICO Jenes de Almeida

DIAGRAMAÇÃO/IMPRESSO Gustavo Andrade DESIGN/WEB Patrícia Maria Alves

SUPERVISÃO DE PROJETO Adriana De Cunto (Chefe de Redação)

AGRADECIMENTOS A todas as pessoas que compartilharam suas histórias com a gente. À Ferroeste. À Serra Verde Express. Aos especialistas.

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