Tenho guardada na memória uma alegre lembrança, que de vez em
quando me leva de volta aos armazéns que existiam nas décadas de 1950 e 1960,
num tempo em que não havia supermercados, cheques e cartões de crédito. Naquela
época, as famílias adquiriam tudo que precisavam por meio da confiança (ou
fiado) nas casas de comércio. Minha família morava numa pequena cidade do
interior e eu costumava ir à venda do Seu Toninho, onde se lia num letreiro
desbotado "Armazém União – Secos e Molhados".
Recordo que minha mãe
fazia uma lista de compras para eu levar até o armazém e enquanto Seu Toninho
conferia o pedido, eu ficava passando os olhos pelo lugar, encantado com aquilo
que via. Muitos produtos não tinham marca e eram vendidos a granel. Outros itens
eram retirados da tulha, pesados e empacotados em sacos de papel, bem à vista do
freguês.
Havia um grande balcão para atender os clientes, onde, além da
balança e da caixa registradora, ficavam o baleiro, as caixas de marmelada, os
queijos, torresmo, carne seca, os vidros de rollmops (sardinha em conserva) e de
ovos cozidos. Na parte de baixo do balcão eram guardados os itens escolares e de
armarinho. Havia ainda um espaço no balcão, que era meu favorito, onde eu ficava
cobiçando as maravilhosas bolinhas de gude sonhando em tê-las na minha coleção.
Atrás do balcão ficavam as prateleiras de enlatados, as barricas de querosene,
solvente e azeite, além dos caixotes de sabão, banha e cera. Mortadelas e
salames eram pendurados num lado dos varais, enquanto do outro lado pendiam
panelas, chaleiras, frigideiras, canecas, bombinhas de inseticidas, mata-moscas,
penicos. Noutro canto, perto dos rolos de fumo em corda, era o local das
ferramentas.
Quando eu juntava alguns trocados vendendo garrafas, a
minha diversão era completa: como esquecer os pirulitos em forma de chupeta? As
balas Chita e 7 Belo? O chiclete Ping-Pong? O sorvete seco, as marias-moles,
suspiros e pés-de- moleque? E as deliciosas gasosas?
Quando Seu Toninho
terminava a separação das mercadorias me chamava para anotar o valor da compra
em duas cadernetas: a dele e a do freguês. A conta só era paga no fim do mês e
se a família estivesse com dificuldades, o comerciante ainda estendia um pouco o
prazo, sem juros ou correção, pois conhecia de perto as necessidades e o caráter
de cada um dos seus fregueses, sabendo quais eram os bons e os maus pagadores. É
uma pena constatar que esse tipo de relacionamento não existe mais.
Gerson Antônio Melatti - Foto by José Carlos Farina