CARTA DE RENÚNCIA AO CONSELHO DE CULTURA
“O verdadeiro perigo para o escritor não é bem a possibilidade (e muitas vezes a certeza) de perseguição por parte do Estado: é a possibilidade de se encontrar enfeitiçado pelas qualidades desse mesmo Estado, as quais, monstruosas ou progressistas, são sempre temporárias.”
A leitura da frase acima, pronunciada pelo poeta russo Joseph Brodsky em 1987, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, foi a gota d’água para que eu decidisse renunciar à vaga de conselheiro municipal de Cultura, que vinha ocupando desde agosto do ano passado. Não vejo razão nenhuma para continuar fazendo parte de uma instituição na qual não acredito e onde não encontro esperança alguma de modificação em benefício da cultura ou do povo de minha cidade.
Renuncio ao Conselho de Cultura porque não acredito nessa forma de representação fundamentalmente corporativista, que se prende aos interesses de grupos específicos e não aos anseios da população em sua riquíssima variedade.
Renuncio ao Conselho de Cultura porque não aceito que produtores culturais tomem decisões sobre recursos públicos que eles mesmos ou seus grupos vão utilizar.
Renuncio ao Conselho de Cultura porque a palavra “conselho”, não apenas na área cultural mas em todos os setores, aproxima-se atualmente muito mais da acepção russa (soviete) do que do conceito bíblico relativo a um dos dons do Espírito Santo.
Renuncio ao Conselho de Cultura para não ser considerado cúmplice de uma “ditadura dos conselhos” que os partidos de esquerda desejam ver implantada no Brasil.
Renuncio ao Conselho de Cultura porque não desejo ser mais “sparring” conservador em disputas políticas hegemonicamente dominadas por militantes esquerdistas.
Renuncio ao Conselho de Cultura porque não concordo com a recente alteração da planta de valores do IPTU, que representou uma verdadeira afronta ao cidadão comum londrinense, e por acreditar que o poder público deve reduzir o financiamento cultural àquelas atividades artísticas de caráter social e educacional mais evidente, deixando a maioria delas a cargo da livre iniciativa.
Renuncio ao Conselho de Cultura exatamente por reconhecer o papel fundamental da cultura no processo civilizatório. Como escritor e jornalista, terei uma contribuição muito maior a dar na defesa de nosso patrimônio cultural. Com meus livros, minhas crônicas e minhas palestras sobre clássicos da literatura, estarei fazendo muito mais pela cultura da cidade do que ao participar de algumas reuniões burocráticas.
“Não posso fazer parte de um clube que me aceite como sócio”, dizia Groucho Marx, o melhor Marx. Agradeço a todos aqueles que me apoiaram durante os últimos seis meses, mas para mim já deu. Um dos meus objetivos agora será lutar, com as armas da palavra, pela extinção ou completa reformulação do Conselho Municipal de Política Cultural. (O problema, por sinal, começa pelo nome: onde reina a política, a cultura se transforma em instrumento do poder.)
Peço desculpas por alguma palavra mais dura.
— Paulo Briguet, 19 de fevereiro de 2018.