A capacidade de adaptação desses mamíferos levou-os a quase todos os lugares do planeta. Eles só não vivem em lugares muito frios. No total, são cerca de 1000 espécies identificadas. Ou seja: aproximadamente um em cada quatro mamíferos é morcego. No Brasil, há 138 espécies, espalhadas por todo o país. Há morcegos pequenos e leves, grandes e pesados, pretos, marrons e até vermelhos.
A maior espécie do mundo é a Pteropus giganteus, uma raposa-voadora que vive na Ásia e Oceania e pode chegar a quase 2 metros de envergadura. O menor morcego conhecido é o tailandês Craseonycteris tonglongyaii, que pesa cerca de 2 gramas – menos que uma azeitona – e está entre os menores mamíferos do planeta. No Brasil, a maior espécie é o carnívoro Vampyrum spectrum, encontrado na Amazônia, que atinge 1 metro com as asas abertas.
A maior peculiaridade desses animais, comum a todas as espécies, é sua capacidade de voar. O morcego é o único mamífero que se locomove pelo ar. E para isso ele utiliza as mãos, que a evolução transformou em asas. A estrutura dos ossos da mão do morcego é parecida com a da mão humana. A principal diferença é a proporção. Nos morcegos, as falanges são finas e compridas, quase do tamanho do corpo. Os dedos são unidos por uma membrana elástica, que também é ligada às pernas. Para voar, basta afastar os dedos e mover os braços para cima e para baixo. Mas a operação não é simples. De fato, ela requer muita energia. Para contornar esse problema, o morcego normalmente alça vôo a partir de um ponto mais alto, cai alguns centímetros e, após ganhar velocidade, retoma a altitude.
A membrana lisa e contínua que forma suas asas impede a passagem de ar, ao contrário do que ocorre com as penas das aves, que são aerodinâmicas. Isso, aliado à enorme flexibilidade das asas articuladas, permite manobras radicais. Um leve ajuste nos dedos é capaz de gerar ângulos variáveis, fazendo com que o vôo do morcego seja muito mais dinâmico que o de qualquer ave. Algumas espécies atingem velocidades de até 50 km/h.
Seu jeito de voar ajuda a explicar outra peculiaridade: o hábito de ficar de cabeça para baixo. Pousados dessa forma, os morcegos facilitam o início de seu vôo: basta deixar a gravidade atuar e iniciar o movimento das asas. Sua pelagem é vasta e pesada e eles não possuem as estruturas adaptadas ao vôo que as aves têm – ossos mais leves e penas impermeáveis –, por isso precisam de toda a energia disponível para alçar vôo.
Outra razão para ficarem de ponta-cabeça é que a transformação de seus membros superiores em asas diminuiu-lhes a capacidade de ficarem eretos e suas pernas e pés não têm força para agüentar longos percursos. Além disso, de cabeça para baixo os morcegos têm mais equilíbrio e, fechando as asas, conseguem se proteger melhor. Para dormir nessa posição, eles possuem um eficiente sistema que trava os tendões das patas traseiras na base em que tiverem atracado para tirar uma soneca.
Morcegos são cegos, certo? Errado. Algumas espécies enxergam até dez vezes melhor que os seres humanos. No entanto, a imensa maioria vê o mundo em preto-e-branco, o que não é exatamente um problema para um animal que tem hábitos noturnos. De fato, a visão dos morcegos é perfeitamente adaptada aos ambientes com pouca luminosidade. Além disso, eles contam com uma ajudinha ainda mais sofisticada para se orientar no escuro: a ecolocalização, um sistema que funciona como um biossonar. O morcego emite ondas sonoras em freqüências inaudíveis para o ser humano que, ao encontrar um obstáculo, retornam e são captadas por seu ouvido especial. Pelo sinal reverberado, o morcego consegue medir a que distância está o objeto, qual seu tamanho, velocidade e até detalhes de sua textura.
Das quase 1000 espécies de morcegos, apenas três são hematófagas, isto é, alimentam-se exclusivamente de sangue. Os temidos morcegos-vampiros são pequenos – o maior deles tem apenas 10 centímetros – e vivem na América do Sul, inclusive no Brasil. Ou seja: a maioria dos morcegos come frutas e insetos e nada tem a ver com Bela Lugosi e Christopher Lee. Segundo explica o biólogo Marco Aurélio Ribeiro de Mello, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), duas espécies bebem exclusivamente sangue de aves: Diphylla ecaudata e Diaemus youngii. A terceira espécie – Desmodus rotundus, conhecido como morcego-vampiro comum – alimenta-se do sangue de aves e mamíferos. Ataques a seres humanos não são habituais, contudo tem havido relatos recentes de episódios assim em vilarejos remotos no Pará e no Amazonas. “São regiões onde a natureza foi drasticamente alterada.
Na ausência de presas selvagens ou gado, os hematófagos atacam animais domésticos e seres humanos”, explica o professor Wilson Uieda, biólogo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reconhecido como uma das maiores autoridades nos morcegos-vampiros da fauna brasileira. Segundo ele, os hematófagos têm especial preferência pelos pés das vítimas: os dedos são o alvo escolhido em 90% dos casos. “Na região de Bacarena (PA), dez pessoas de uma mesma família foram atacadas”, relatou Uieda, poucos dias após voltar da região, onde orienta as comunidades afetadas pela presença do vampiro. Segundo ele, a quantidade diária de sangue consumida pelos morcegos é muito pequena, variando de 15 a 20 mililitros – cerca de duas colheres de sopa. Por isso, os ataques só são perigosos quando o animal está infectado com raiva, a única doença transmitida pelos vampiros. “O último caso de raiva transmitido por um hematófago, na região, foi registrado em 1991 e levou a vítima à morte”, conta o especialista.
O morcego-vampiro consegue perceber o calor da circulação sanguínea sob a pele das vítimas e usa este dom, chamado de termorrecepção, para mapear os vasos mais próximos da pele. Por isso sua mordida é cirúrgica, superficial e quase indolor. Ele usa a língua dobrada como um canudinho para colher o fluido até se saciar.
Totalmente adaptados ao alimento líquido, eles têm menos dentes que outros, com molares e pré-molares pouco desenvolvidos, abrindo espaço para grandes e afiados incisivos e caninos. É comum que os vampiros voltem a atacar a mesma vítima, usando a mesma ferida, para poupar o trabalho da mordida.
Em sua saliva há uma substância anticoagulante, que faz a ferida continuar sangrando além do tempo normal.
Essa substância, a desmoteplase, é atualmente alvo de inúmeras pesquisas justamente por suas propriedades anticoagulantes. De acordo com um artigo publicado em julho na revista inglesa New Scientist, o laboratório alemão Paion, baseado em Berlim, isolou a substância e a está testando no tratamento de coágulos sanguíneos que se formam após ataques cardíacos e derrames em seres humanos. Segundo o artigo, há estudos sendo conduzidos com o objetivo de sintetizar a desmoteplase para lançá-la comercialmente.
As fezes do morcego, quando acumuladas em grande quantidade em locais úmidos e abafados, podem produzir um fungo chamado histoplasma, um pó branco e tóxico que, quando inalado, causa uma doença respiratória grave. A histoplasmose pode ser controlada, mas não tem cura.
A diversidade entre as espécies de morcegos é muito grande, mas há características comuns a todas. A reprodução, por exemplo. A maior parte das fêmeas tem apenas um filhote por ninhada. Os bebês-morcegos nascem sem pêlos e totalmente dependentes da mãe. Mamam por períodos que variam de duas a quatro semanas e daí em diante estão prontos para a vida adulta que pode ser relativamente longa, quando comparada à de outros mamíferos do mesmo porte. Há morcegos que chegam a viver até 30 anos.
Os morcegos costumam ser animais gregários, mas não são fiéis a um único grupo. Quando estão prestes a parir, as fêmeas se concentram em um mesmo abrigo, onde permanecem juntas até seus filhotes estarem aptos a buscar o próprio alimento. Em algumas espécies hematófagas, as fêmeas que não conseguem se alimentar são ajudadas por outras, que trazem comida para elas.
Os hábitos alimentares dos morcegos são os mais diversos dentro de uma única ordem de mamíferos. Há um numeroso contingente de devoradores de insetos (insetívoros), amantes de frutas (frugívoros), apaixonados por néctar (nectarívoros), gourmets de peixes (piscívoros), apreciadores de pequenos vertebrados (carnívoros), glutões que comem de tudo um pouco, como frutos, flores e pequenos vertebrados (onívoros), e os já citados hematófagos. Ah, sim, na luta pela sobrevivência, vale tudo: há morcegos que comem outros morcegos.
Entre seus predadores naturais estão as cobras e os gambás. Mas os gatos domésticos, quem diria, costumam ser seus assassinos mais comuns.
Os morcegos são animais noturnos. Normalmente, saem para se alimentar logo após o pôr-do-sol e se a comilança for boa podem ser vistos ainda ao alvorecer. Moram em árvores, cavernas, grutas e preferem locais quentes e relativamente úmidos. O morcego não constrói ninhos.
As espécies que vivem em lugares mais frios costumam hibernar, quando a oferta de alimentos é pequena. Elas se recolhem aos abrigos e, sempre de cabeça para baixo, são capazes de passar dois ou três meses dormindo. Para economizar energia, reduzem a temperatura corporal para cerca de 12 ºC (o normal é 36 ºC) e seus batimentos cardíacos caem para 25 por minuto – em vôo o coração do morcego chega a bater 1000 vezes por minuto, o equivalente aos motores de 1000 rpm que equipam pequenas lanchas.
Guloso, um único morcego é capaz de ingerir mais de 3000 insetos e aumentar seu peso em até 40%, apó uma boa refeição. Achou pouco? Então que tal isso: os 20 milhões de morcegos-de-cauda-livre do México consomem 250 toneladas de insetos em um único banquete. Esse tremendo apetite é vital para o equilíbrio dos ecossistemas. Os morcegos são os maiores comedores de insetos do planeta, contribuindo para o controle de populações de moscas e mosquitos. Além disso, eles são absolutamente indispensáveis para espalhar sementes e polinizar vegetais. Um estudo do Jardim Botânico de Nova York afirma que sem os morcegos a floresta tropical da Guiana Francesa seria muito diferente do que é hoje.
O desmatamento, a utilização de pesticidas em áreas rurais e a matança indiscriminada são fatores que já ameaçam algumas espécies de extinção. Só no Brasil, segundo o Ibama, nove delas correm risco de desaparecer. Nos Estados Unidos, o panorama é igualmente sombrio. Segundo a Bat Conservation International, organização não-governamental sediada no Texas (EUA), alguns morcegos norte-americanos estão entre os animais que apresentam maior perigo de extinção no mundo, atualmente.
Parece que a espécie humana tem sido injusta com seus primos morcegos. Primeiro, demonizando-os. Agora, varrendo-os do mapa.