FOLHA DE LONDRINA
São Martinho
Da mata fechada à capital dos embutidos
Vítor Ogawa
Distrito de Rolândia foi colonizado por imigrantes italianos; hoje é conhecido pelos açougues, que vendem para várias cidades da região e até para outros Estados
Rolândia é famosa na região Norte do Paraná pela colonização alemã, no entanto, no distrito rural de São Martinho a origem foi italiana. O café era o eixo de sustentação da economia do País e no intervalo entre 1887 e 1930, os italianos formaram o maior grupo dos imigrantes que ingressaram no Brasil - 35,5% do total. Entre eles estava Hettore Martini, que se casou com Thomazia e saíram do interior de São Paulo para a região onde hoje fica São Martinho, em 1935. Foram os primeiros a adquirir lote no local, daí a origem do nome do distrito.
Rua Marzadema guarda na composição de seu nome a história de seus pioneiros, os italianos Martini, Zago, Deganutti e Mariani
A filha adotiva do casal, Josefa Isaura de Sousa, 66, mora na mesma propriedade que foi desbravada pelas pais. “A companhia estava vendendo terras e meu pai adquiriu uma fazenda de 50 alqueires. Ele plantava café, criava gado e fazia tijolos para as casas que começavam a ser construídas na região”, relata.
O neto de Martini, o artista plástico e professor de pintura Euzébio Denner Dias de Sousa, 45, relata que o avô doou a área que compreende a parte direita da avenida principal para a construção de casas que formaram o núcleo urbano do distrito. “Meu avô era um homem muito bom. Ele teve boas condições na vida e isso permitiu que tivesse 12 filhos biológicos e outros 12 adotados. Minha mãe é filha adotiva, mas foi cuidada como se fosse filha biológica.”
“Meu avô Hettore Martini foi um grande homem. Contribuiu muito para São Martinho. A gente sempre procura relembrar a história dele para as pessoas” Eusébio Denner
Ele afirma que o núcleo forte de italianos do início de São Martinho influenciou no dia a dia do distrito. “São Martinho é muito católica pelo fato de ter muitos italianos”, exemplifica. “Se eu pudesse encontrar hoje com meu avô diria ‘muito obrigado’. Ele foi um grande homem. Contribuiu muito para São Martinho. A gente sempre procura relembrar essa história para as pessoas”, enaltece.
Josefa Isaura Sousa e seu filho, o artista plástico Euzébio Denner
OS AMIGOS ITALIANOS
Por vislumbrar que havia uma ótima oportunidade de desenvolvimento, cinco anos depois de se instalar no local, Martini trouxe de São Paulo os amigos italianos, que também adquiriram propriedades próximas uma das outras. Martini e os amigos Zago, Deganutti e Mariani foram os pioneiros que implantaram o núcleo que viria a se tornar distrito. O nome não foi dado só em homenagem ao santo católico, mas também por causa de Martini, pois a sonoridade se assemelhava a de São Martinho. O distrito foi criado oficialmente no dia 14 de novembro de 1951.
Os quatro também doaram terras para formar a área urbana do distrito e em homenagem a eles a avenida principal recebeu o nome de Marzadema, neologismo formado com as primeiras sílabas dos nomes. O lavrador José Leonardi, 77, é neto de Zago. “A entrada do sítio dele foi doado para fazer a igreja”, conta, dizendo que na época o meio mais seguro para ir e voltar de Rolândia era a cavalo. Era assim que o primeiro padre da Paróquia de São Martinho, José Herions, vinha de Rolândia.
Paróquia de São Martinho fica ao centro da rua Marzadema
“Quando criança eu não sabia das dificuldades que meus pais passavam. Eles se viravam e sabiam arrumar as coisas e criar soluções para problemas difíceis” José Leonardi
Leonardi nasceu em 1942 e lembra que na infância seus pais faziam compras em Rolândia (distante 17 km), utilizando o carroção. “Com três ou quatro anos a gente começa a gravar alguma coisa na memória. Daqui até Rolândia era um ‘canudo’ de mato. Quando criança eu não sabia das dificuldades que meus pais passavam. Depois da segunda guerra mundial faltava açúcar, sal e querosene. Eles mesmos faziam o açúcar na propriedade, com engenhocas tocadas por animais. Se viravam e sabiam arrumar as coisas e criar soluções para problemas difíceis”, elogia.
O lavrador José Leonardi, neto de Zago
No fim da década de 1950, São Martinho sofreu uma grave crise de energia elétrica e que ficou registrada na memória dos habitantes. “A energia vinha da fazenda Maragogipe, mas a estrutura foi sucateando com o tempo. Tinha dia que tinha energia, mas ficávamos dois dias na escuridão”, observa Leonardi. “Eles falavam que a Copel não podia vir para cá, porque tinha essa rede da fazenda Maragogipe. Reunimos 50 pessoas com machados e derrubamos todos os postes. Ficou poste caído para todo lado. Depois que derrubamos tudo, aí veio a Copel, e a energia ficou 100%. Eu tinha mais ou menos 16 ou 17 anos na época”, relembra.
Ele aponta que a rodovia de terra, que atualmente é conhecida como PR-170, só foi asfaltada em 1970.
“A geada negra acabou com o café. Nessa época meu pai também castrava porcos e ganhava um leitão em troca do serviço. Ele alugou um açougue e começou a vender carne de porco” Marcos Luiz Sanches
O FIM DE UM CICLO E INÍCIO DE OUTRO
O dia 18 de julho de 1975 foi um dia triste para o Norte do Paraná. A região foi atingida pela geada negra, que obrigou os produtores a erradicar os cafezais. Marcos Luiz Sanches, 47, um dos proprietários da Central Carnes, é descendente de espanhóis e italianos e relata a saga enfrentada por sua família, que trabalhava na lavoura. “Somos em sete irmãos e a geada negra acabou com o café. Nessa época meu pai (Narciso) também castrava porcos e ganhava um leitão em troca do serviço. Ele alugou um açougue e começou a vender carne de porco e consequentemente da linguiça”, recorda.
Marcos Luiz Sanches, comércio de embutidos começou com o pai
Inicialmente a produção era pequena. “Como aqui é uma rodovia, o pessoal que era de outras cidades passava por aqui. Com o ‘boca a boca’ a clientela foi aumentando”, destaca Sanches.
“A minha mãe fazia chouriço e eu aprendi a fazer embutido sozinho. Nós inventávamos a receita” Hermínio Leonardi
Outra família que começou a fabricar embutidos, em 1977, foi a Leonardi. Quem começou o negócio foi José Leonardi, que posteriormente passou para seu filho Hermínio, hoje com 75 anos. Hermínio chegou a passar o bastão para o filho Júlio César, mas o açougue acabou sendo vendido para Alex Fiori, ex-funcionário da Central Carnes. O Açougue São Martinho atuou por 37 anos sob a tutela da família Leonardi.
Hermínio Leonardi, família começou a fabricar embutidos em 1977
“Meu pai e meus tios chegaram aqui em 1938 quando era só mata. Minha irmã foi a primeira criança a nascer em São Martinho e fez 80 anos no dia 15 de abril”, relata Hermínio. “Eles engordavam porco no chiqueiro, tiravam o leite da vaca, faziam manteiga e queijo. A minha mãe fazia chouriço e eu aprendi a fazer embutido sozinho. Nós inventávamos a receita. Se sobravam carnes, fazíamos charque. Se sobrava barriga, defumávamos o bacon”, explica.
Ele enaltece que hoje todo mundo fala bem de São Martinho, considerada a capital dos embutidos. “Não tem lugar que faz embutidos igual fazemos aqui. Pode ir em outros municípios, que você não vai achar o que a gente tem aqui.”
A capital dos embutidos
“São Martinho representa tudo para mim. Nasci aqui e estou até hoje. Não quero sair daqui” Alex Fiori
Alex Fiori, 40, atual proprietário do açougue São Martinho, fala dos seus clientes. “Tem gente de todo lado: de Presidente Prudente, de Curitiba, de Londrina... O pessoal vai espalhando que temos bons produtos.” Sobre o distrito, ele só tem elogios. “São Martinho representa tudo para mim. Nasci aqui e estou até hoje. Não quero sair daqui. A gente conhece todo mundo. O que mais gosto de fazer no tempo livre é jogar bola e andar de cavalo, para dar uma arejada”, destaca.
PÃES CASEIROS E NOVOS MORADORES
Se a rodovia ajudou na divulgação da qualidade dos embutidos de São Martinho, os pães caseiros, salgados e os doces vêm ganhando força no comércio de beira de estrada. Há seis anos Joaquim Albano da Silva, 66, comercializa os pães que sua mulher produz. “Eu trabalho na prefeitura há 25 anos e passei a vender os pães para complementar a renda”, conta.
“Aprendi a fazer pão com a minha mãe e ela deve ter aprendido com a minha avó. Isso vem de família. O pão feito em casa é mais gostoso. O segredo é fazer com carinho”, declara a mulher Maria Flórea da Silva, 61, que mora em São Martinho desde os 15 anos de idade.
Joaquim Albano da Silva e Maria Flórea da Silva (detalhe)
Em 2011, 116 famílias foram contempladas pelo programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida para residir em São Martinho. A doméstica Aparecida Batista Fogaça, 60, é uma delas.
Ela trabalhou durante muitos anos na lavoura e circulou por muitos municípios do Paraná e de São Paulo. “Morei em Londrina em 1975, depois fui trabalhar na colheita de café em São Paulo. Lá conheci famílias daqui, que falaram que morar em São Martinho era bom”, explica.
“Vim para cá há 23 anos, no começo pagando aluguel. Agora consegui a minha casa própria, no conjunto Jardim Fioravante Strassacappa.” Na casa ela mora com seus seis filhos desde 2011. O maior problema do distrito, segundo Fogaça, é a falta emprego. “A única coisa que tinha aqui era a usina de cana, mas depois ela faliu. Agora só tem um serviço ou outro”.