O Parque Estadual Mata dos Godoy, área protegida que abriga uma das mais importantes florestas do Norte do Paraná, possui uma guardiã. A funcionária pública aposentada Maria Helena dos Santos Godoy Tenório, de 59 anos, assumiu a responsabilidade de proteger o parque de 690 hectares, onde existem mais de 200 espécies de árvores, 60 mamíferos e 300 aves, da ameaça do impacto ambiental que pode ser causado pelo projeto Arco Norte, que inclui a construção de uma aeroporto de cargas e uma rede de rodovias na região. Maria Helena é a presidente da Associação dos Amigos da Mata dos Godoy, que luta para manter a floresta intacta. A história que a conduziu a esta posição, entretanto, inclui detalhes dignos de uma dramática novela.
A primeira constatação sobre a vida de Maria Helena é que ela foi fruto de uma história de amor. Filha de Juvelina, uma funcionária da fazenda Santa Helena, ela nasceu na propriedade da família Godoy, que era dona de uma extensa área que incluía a própria Mata. O pai de Maria Helena – e dos dois irmãos dela – era Olavo Godoy, um dos donos da fazenda. Tratada como "afilhada" e com privilégios incomuns a filhos de empregados, Maria Helena, entretanto, só foi reconhecida como filha de Olavo em 2000, quatro anos após a morte dele.
Olavo nunca se casou, mas teve três filhos que foram reconhecidos tardiamente por decisão judicial. A despeito da situação, Maria Helena sempre conviveu com o pai, que inclusive entrou com ela na igreja no dia do casamento com Guilon Tenório, com quem vive, hoje, na Santa Helena. "Eu passava as férias escolares na casa dele, e não na minha mãe", lembra. Aposentada pela Caixa Econômica Federal, ela nunca deixou de visitar Olavo e a fazenda, onde a mãe morou até 1992. Depois do reconhecimento da paternidade, porém, achou que era hora de voltar de vez e lutar por Justiça.
Por conflitos com uma familiar distante de Godoy, que assumiu a propriedade quando ele já estava no fim da vida, Maria Helena batalhou muito para retomar o que era dela e dos irmãos por direito. Lamenta profundamente o fato de ter sido proibida de conviver com o pai nos últimos momentos de vida, mas empenhou todas as forças para recuperar a estabilidade financeira da propriedade que ele ajudou a construir.
"Quando voltei, a fazenda tinha dívidas e muitas áreas que não estavam produzindo com eficiência. Nós só conseguimos recuperar a propriedade e pagar as dívidas porque tínhamos aposentadoria", conta a mulher de hábitos simples que cuida pessoalmente da casa de 64 anos onde mora. "Minha vida é uma ironia. Nasci filha de fazendeiro, mas nunca vivi como fazendeira. Hoje, sou uma herdeira, mas vivo como uma trabalhadora", brinca.
A guardiã da mata conta que abraçou a luta pela recuperação da fazenda para "consertar" a história. "Consegui recuperar o nome do meu pai, que morreu sendo considerado um ‘caloteiro’. Ele foi o homem responsável pela doação da Mata dos Godoy para o Estado, mas terminou velado sem honrarias em uma cerimônia simples na Acesf", lamenta.
Olavo, segundo ela, tinha uma visão diferenciada da vida. Mesmo antes da doação, que ocorreu em 1989, ele preservou a floresta. "Mantinha pessoas para proteger a mata dos caçadores", recorda a filha, que atribui a essa preocupação, também, o fato de haver matas nativas em todas as entradas da fazenda. "Por isso luto pelo bem comum, pela preservação do planeta e pela vida", afirma.
Maria Helena também espera que, antes de morrer, o pai tenha entendido que a maior ambição dela era poder conviver com ele. "Tenho certeza que meu pai não teria deixado as filhas desamparadas se tivesse agido conforme sua vontade", defende. O pioneiro faleceu bastante senil, sem capacidade de tomar decisões por conta de doenças.
Agora, Maria Helena se dedica à defesa do equilíbrio ambiental na região da Mata dos Godoy. Para construção do aeroporto, a prefeitura, na gestão de Barbosa Neto, decretou de utilidade pública uma área de seis mil hectares ao redor da mata. "O problema é que as propriedades são consideradas áreas de amortecimento que protegem a mata de influências que podem alterar a vida existente. Não concordamos que um aeroporto seja construído a menos de mil metros de uma área de preservação", defende.
A ativista lembra que a região abriga uma bacia hidrográfica de cinco ribeirões que contribuem para o abastecimento da população de toda região de Londrina. Por todos esses motivos, o Ministério Público sugeriu a revogação do decreto, que realmente aconteceu. "Vamos lutar até o fim para que não destruam a maior reserva de mata atlântica do norte paranaense."
"Vamos lutar até o fim para que não destruam a maior reserva de mata atlântica do norte paranaense"
Maria Helena Godoy Tenório-Carolina Avansini-Reportagem Local