Os mais jovens talvez desconheçam, mas Rolândia já teve dois cinemas. Ambos localizavam-se na Avenida Expedicionário: um, o “Cine Bandeirantes”, era instalado onde hoje funciona a Agência do INSS, outro, o “Cine Rolândia”, no prédio onde hoje existem vários estabelecimentos comerciais, na esquina com a Rua Santos Dumont, em frente ao Banco do Brasil. Também eram conhecidos como cinema “de Baixo” (o Bandeirantes) e cinema “de Cima”(o Rolândia).
Do Cine Bandeirantes pouco me recordo, uma vez que, quando encerrou suas atividades, ainda era criança. Lembro-me que tinha cadeiras estofadas brancas. Certa feita - acredito que na Semana Santa - fui com meu irmão assistir um filme que retratava a Paixão de Cristo. O fato marcou minha memória em razão de o ator que fazia o papel de Cristo não mostrar seu rosto. Era filmado sempre de costas... . Segundo minha mãe (que era quem sempre acudia minhas curiosidades), isto ocorria em respeito à figura do representado.
Embora mais charmoso, o “Cine Bandeirantes” era menos freqüentado que o “Cine Rolândia”, com dependências mais modestas. Suas cadeiras eram de madeira, logo, desconfortáveis. Apesar disso, atraía maior público em suas exibições.
Não vivenciei a época em que os garotos aproveitavam o encontro dominical nas exibições dos filmes das matinês para troca de gibis, mas dela tomei conhecimento. Este exercício, além de criar e estreitar relacionamentos, aguçava o dom de muitos para a negociação, o qual, mais tarde, incentivou o surgimento de muitos profissionais atuantes em nosso comércio.
Trago outras memórias do “Cine Rolândia”. Quando criança, morava na Avenida Interventor Manoel Ribas, em sobrado ainda hoje existente, de propriedade da querida Família Giordani, tão próxima da nossa que muitos julgam haver parentesco (de fato, em nossos sentimentos, formamos uma só família). Como estudava no Colégio Santo Antônio (hoje “Bom Jesus”), passava todos os dias em frente ao cinema a caminho da escola. O trabalho do artista que pintava os painéis de divulgação dos filmes em cartaz, mais de uma vez me deteve. Utilizava a técnica de quadricular a foto a ser reproduzida e, de igual forma, o painel a ser pintado, facilitando o trabalho – que não deixava de ser artístico. Era encantador ver as imagens, enormes, surgindo aos poucos, idênticas às copiadas. Não me recordo o nome desta técnica, mas fui a ela apresentado pela querida (e rígida) Irmã Ortência, nas aulas de Educação Artística.
Mais tarde, já no final da adolescência, o “Cine Rolândia”, marcou de outra forma. Era o local onde os jovens, nas noites de domingo, após o devido atendimento às obrigações religiosas, se reuniam. O filme, na mais das vezes, pouco importava. Era pano de fundo para as conversas, piadas e encontros amorosos.
Os olhares que rapidamente se cruzavam durante a semana nas escolas, clubes, ruas e quadras, nas noites de domingo se reencontravam, mais intensos e penetrantes, fazendo corações palpitarem, rostos avermelharem e hormônios entrarem em ebulição. Era uma rara oportunidade para os casaizinhos, em ambiente romântico, trocarem confidências e contatos.
Havia um ritual para que assim acontecesse. Antes do filme começar, quando as luzes estavam acesas e as músicas de sucesso no momento tocavam ao fundo, os meninos circulavam entre as cadeiras ou detinham-se, em pé, em rodinhas de bate-papo. Seus olhares buscavam a pretendida que, uma vez correspondendo, em cumplicidade com as amigas, deixava um local vago a seu lado, permitindo que quando as luzes se apagassem, o mancebo, vencendo a timidez, se sentasse e quiçá fizesse suas juras de amor. Quantos namoros e casamentos nasceram sob o testemunho da enorme tela do “Cine Rolândia”.
Os relacionamentos entre adolescentes não diferiam muito dos dias de hoje. Talvez a inocência deles sim. O pegar na mão significava tanto ou mais do que o “ficar”.
Como a juventude que passou tão rápido, o tempo das sessões de cinema em Rolândia deixou saudade. Mas as oportunidades estão de volta. Os filmes, de uma forma ou de outra, sempre deixam marcas em nossas vidas. CRÔNICA de HORÁCIO NEGRÃO. foto de JOSÉ CARLOS FARINA