A fascinante voz dos sinos
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Walmor Macarini
Leio na FOLHA que Rolândia concretiza o projeto antigo de concluir uma torre com cinco sinos, na igreja matriz. A inauguração está prevista para 19 de março, com celebração presidida pelo arcebispo dom Orlando Brandes. A realização desse sonho se deve ao monsenhor José Agius, daquela comunidade católica.
Sinos sempre me fascinaram, porque durante minha adolescência fui batedor de sino da igreja de minha terra natal, um lugar de 7 mil habitantes situado num privilegiado ponto do globo terrestre – precisamente Meleiro (SC). Minha função era tocar o sino às 6 da manhã, ao meio-dia, às 6 da tarde, antes das missas e quando morria gente.
Bater o sino fora de hora só podia ser sinal de notícia ruim, e todos logo se acercavam do templo para saber quem era o finado. Dona Teresa Búrigo, boa e santa mulher, era a primeira a chegar. (Um dia os sinos viriam a dobrar também por ela, e ela não estava ali para perguntar)… Eu exercia essa tarefa de forma profissional, e ganhava por isso dos paroquianos, em forma de produtos da lavoura, que depois eu vendia. Tudo em acordo com o padre.
Nos casos de morte, eu não só a anunciava, como tocava o sino continuamente enquanto durava o cortejo fúnebre. O cemitério era perto e eu dava os repiques do sino calculando os passos dos acompanhantes. Porque eu estava dentro do templo e não podia ver. Mortes de crianças eram as mais dolorosas. O anúncio era diferente: eu subia até o alto do campanário, por uma escadaria interna, e repicava o sino com duas varetas metálicas. Era um toque suave e ritmado, mas muito triste, como um som de lamento.
Em dia de festa – como a da padroeira Nossa Senhora de Glória, em 15 de agosto – o padre não queria que houvesse dança no salão local (as denominadas domingueiras, que eram de dia). É que a rapaziada, em vez de gastar o dinheiro nas barracas da igreja, ia dançar. Então, o padre me mandava tocar o sino, e eu tocava até o gaiteiro parar. Era uma heresia gente dançando com o sino tocando… Mas eu também anunciava as coisas alegres, como a missa grande das 10 horas dos domingos. Os fiéis chegavam cedo, porque esse momento no adro da igreja era um agradável momento de encontro. Às 9 a primeira batida, às 9h30 a segunda, e a última na hora dos fiéis entrarem. Os homens vestiam terno e gravata e as mulheres os mais finos vestidos. Eu tinha a chave da igreja, cantava no coral, composto de meia dúzia de vozes bem-intencionadas, e tocava um pouco o harmônio – um instrumento de teclado e foles, ainda hoje guardado lá como relíquia.
Bater um sino exige maestria. Não é só ir chegando a puxando a corda. É preciso ter um embalo cadenciado, no ritmo da subida e descida daquele pesado instrumento de bronze. Um descompasso entre homem e sino pode arrebentar a corda ou o balancim, destroncar os braços do sineiro ou arrancar-lhe a pele das mãos. Na hora de parar é preciso medir a intensidade do vai-e-vem e ir brecando com habilidade. Brecada brusca seria uma imprudência. Pode-se extrair daquele sonoro metal várias notas musicais, dependendo da sutileza de manipular a corda, em seu ir e vir, e fazer breaks suaves no tempo certo.
Sino é como gente, tem alma e gosta de carinho. Toca conforme a afeição que o sineiro nutre por ele. Sorri, geme, chora. Pode-se brincar com ele à vontade. Sino lá em cima, você embaixo, um sem ver o outro, mas ambos sintonizados e sentindo-se. Sino conhece o dono e sente o respeito que este lhe dá. Já escrevi certa vez que cidade sem sino é como uma cidade sem voz. Rolândia do padre Agius vai doravante erguer mais alto sua voz, irradiar benfazejas vibrações e robustecer a fé cristã de seus fiéis.
Walmor Macarini é jornalista em Londrina