O que podia ter sido e que não foi
A passagem mais interessante que conheço de política une as figuras opostas de Leonel Brizola e Roberto Marinho na cinematográfica sala de RM na sede da Globo.
Roberto Marinho era Roberto Marinho e Brizola era o governador do Rio, eleito mesmo com a trapaça – o caso Proconsult — que a Globo montou para desrespeitar a escolha do povo pelas urnas.
Batiam-se por mundos diferentes, e se detestavam abertamente. Roberto Marinho convidou um dia Brizola para um almoço, na tentativa de selar uma trégua.
Deu a Brizola – gaúcho — a vista mais linda do Rio e do Brasil, aquela que se tinha de sua sala, e se sentou do outro lado.
Depois de um breve tempo, Roberto Marinho disse: “Está provado que o senhor não gosta mesmo do Rio, governador. Eu lhe dei esta vista e o senhor não se dignou a olhá-la.”
Brizola imediatamente retrucou: “O senhor estraga qualquer vista, Doutor Roberto Marinho.”
Este era Brizola.
Fiquei tocado ao saber que seu nome foi gritado na avenida no Carnaval do Rio por pessoas inconformadas com a bajulação abjeta que a Beija Flor fez em seu desfile a Boni e, por extensão, à Globo.
Brizola venceu, mais uma vez.
A Beija Flor depois de muitos anos ficou fora do desfile das campeãs.
Brizola foi, ao lado de Getúlio Vargas, o maior político da história do Brasil.
Sabia que, para reformar o país, era preciso desmontar o símbolo supremo da iniquidade nacional – a Globo.
“O que é bom para a Globo é ruim para o Brasil”, disse.
Documentos mostram que ele anotava, num papel, como era empregado cada centavo. Não, a direita não teria ali a chance de dizer que ele se apropriava dos fundos cubanos para tachá-lo de corrupto.
Era um brasileiro íntegro, um político visionário, um apóstolo da justiça social, e é uma imensa pena que não tenha, com a redemocratização, chegado à presidência.
Buscaram prejudicá-lo o tempo todo. A sigla que ele simbolizava como ninguém, o PTB, foi entregue a uma descendente inexpressiva de Vargas, e ele teve que inventar o PDT para continuar na vida política.
Votei nele em 1989, e foi para mim o fim da era da inocência política. Fiquei arrasado quando, por escassa margem de votos, ele não passou para o segundo turno.
Nunca mais senti o mesmo quando algum candidato em que votei foi batido.
Brizola disputou a segunda colocação, voto a voto, com Lula.
A vitória apertada de Lula como que selou o nome de quem representaria, dali por diante, a esquerda nacional.
Num exercício tolo, às vezes me pergunto o que teria ocorrido se Brizola tivesse ido para o segundo turno, em vez de Lula.
A Globo teria coragem de favorecer Collor e meter medo no oponente, no debate decisivo, com uma mala em que supostamente estavam denúncias?
A mala – com denúncias imaginárias – foi vital para que Lula tivesse um desempenho sofrível no debate. Cada vez que Collor se aproximava dela, Lula tremia.
Brizola, presumivelmente, teria denunciado a mala a todos os brasileiros em pleno debate, caso o mesmo golpe baixo fosse tentado contra ele.
A mim parece claro que, para o Brasil, a vitória de Brizola teria sido melhor que a de Lula em 1989.
Brizola teria enfrentado a Globo, para começo de conversa. Não por não gostar das novelas, ou da voz de Cid Moreira, ou das piadas de Faustão, mas por compreender que a Globo é a Bastilha brasileira, o símbolo da desigualdade e dos privilégios.
Enquanto a Globo não for desmontada pouca coisa se fará no avanço social brasileiro, porque a Globo é a guardiã dos privilégios com o esquema de controle que montou para monitorar a Justiça e o mundo político.
Lula fugiu da luta, e isso ficou claro quando compareceu ao enterro de Roberto Marinho – o homem da mala do debate com Collor – e fez ali uma eulogia vergonhosa. Completou o serviço decretanto luto oficial de três dias.
É uma pena que Lula seja pouco cobrado por um gesto pusilânime e oportunista que atrasou tanto o combate à desigualdade social.
Fosse cobrado, teria talvez caído em si, e a sociedade quem sabe ganhasse o prêmio de uma regulamentação de mídia que impeça uma só empresa de ter tanto poder em tantos meios.(Até o México enquadrou a Televisa, a Globo local.)
Voltei no tempo ao ler que gritaram o nome de Brizola na avenida, em repúdio ao endeusamento da Globo.
Por minutos, era um jovem jornalista de 33 anos, como em 89, e talvez meus olhos míopes tenham ficado marejados com a menção de Brizola, tanto tempo depois.
Detesto Carnaval, mas como eu queria estar naquele momento na avenida para gritar, com o povo, o nome dele, por tudo que podia ter sido e que não foi quando ele perdeu – Brizola, Brizola, Brizola.
COMENTÁRIO: Com a morte de Brizola poucos democratas sociais de verdade resistiram... com o PT vimos apenas esquemas piores e maiores dos que aqueles empregados pela direita... colocaram Collor no chinelo. Hoje são aliados... Collor... Maluf... Sarney... Tenho tbm saudade de Brizola... chorei no dia do seu enterro com a linda homenagem que o povo de Rio lhe prestou por todo o cortejo. Que Deus o tenha. Agora mais esta homenagem em pleno carnaval. FARINA