Me lembro bem aquela manhã de 18 de julho de 1975. Eu ainda deitado e o meu pai comentando na cozinha enquanto tomava café com a minha mãe. Ele tinha ido logo cedo verificar no quintal o estrago. O pé de chuchu estava com uma casca de gelo. Meu pai era corretor de imóveis e tinha como o seu ganho pão a venda principalmente de lotes agrícolas em toda a região. Ele estava muito triste e preocupado. Depois que eu e meus irmãos tomamos café, ele nos chamou para acompanhá-lo por algumas estradas. Queria certificar-se daquilo que ele já sabia. Ele foi criado praticamente no meio dos cafezais, primeiramente em Jardinópolis-SP. onde nasceu e após o ano de 1940, em Rolândia-Pr. Sabia tudo de café, como plantar, cuidar, adubar e colher. Pela cor do céu na noite anterior e por outros detalhes que ele aprendeu com o pai dele, ele sabia que a geada viria e seria forte. As passar pela estrada onde o meu avô morou, ele desceu do carro e foi lá na roça tocar as folhas. Andou pela parte alta e nas baixadas. Ele falava: - "foi muito forte esta geada... queimou por inteiro os pés tanto nas roças das "baixada" como os do "alto". Falava-se na época que lugar bom para café era o Bartira e Jaborandi. Não é que ele foi lá para verificar-se. Chegando lá constatou que nem estas glebas foram salvas. Na manhã daquele dia triste, as folhas dos cafeeiros ainda estavam verdes,mas com uma casca de gelo. Falei para o meu pai: - "mas tem muita folha verde pai.. será que queimou tudo mesmo? Ele responde: - "vamos voltar aqui amanhã para você ver o que sobrou. E assim voltamos. Não havia ficado uma folha verde sequer. Todas estavam pretas... queimadas por inteiro. O norte do Paraná inteiro. Não sobrou nada. Poucas vezes vi o meu pai tão triste. Ele nunca havia chorado, mas naquele dia vi uma lágrima caindo dos seus olhos.
A partir desta data, 90% dos cafeicultores ou mudaram a cultura plantada, ou venderam seus lotes menores, que acabaram sendo incorporados pelas fazendas maiores. A partir daquele ano, mudou o ciclo do café e entrou o da soja, milho e trigo, que permanece até hoje. O Paraná amargou crise por muitos anos, mas logo entramos em um novo ciclo que acabou dando certo também. Iniciou-se o incremento da industrialização da região. O duro foi constatar que a maioria dos lavradores, perderam a fartura da roça, para agora morar em favelas e trabalhar como boia-frias. Isto por cerca de duas décadas. Hoje não temos mais boia-frias. Quase ninguém mora mais na zona rural. As casas foram desmanchadas e viraram móveis finos em São Paulo e Rio. Alguns resistiram, continuaram a morar na roça, mas tiveram que sair recentemente. É que a violência chegou no campo. Assaltos cruéis, acabaram de vez com a imagem que tínhamos aprendido a gostar e amar. As últimas casas estão agora sendo desmanchadas também.
Dificilmente veremos de novo a fartura e a vida simples e boa que os cafeicultores e seus empregados ( porcenteiros ) tiveram principalmente nas décadas de 40 a 70.
Restou apenas as fotos e as lembranças de quem viveu naquela época aqui no norte do Paraná. Mas a terra ainda e muto fértil e continuamos a amar este chão que nos viu nascer e que um dia nos abrigará como nossa ultima morada. Deus abençoe o norte do Paraná. A minha terra e a terra de meus pais e avós. Amo o norte do Paraná.
JOSÉ CARLOS FARINA - BLOGUEIRO