Uma bandeja repleta de lanches, um galão de suco e duas garrafas de café. Toda a noite de terça-feira, um grupo de jovens da igreja Nova Aliança se junta para distribuir esses alimentos. Durante a ação, alguns ingredientes são essenciais para serem compartilhados com pacientes, acompanhantes e funcionários de duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) de Londrina. São eles o amor, alegria e carinho, sentimentos que não podem ser captados pelo paladar, mas pelo coração de quem dá e recebe o alimento.
O projeto "Soupa" tem quase quatro anos e começou a partir da sensibilidade do atual coordenador e alguns outros membros ao verem uma carência em uma unidade de saúde. "Fazíamos parte de um outro projeto da igreja, que presta assistência a moradores de rua. Passamos em frente ao PAM (Pronto Atendimento Municipal) e vimos que estava lotado. Comentei de fazermos um trabalho de levar alimento para pessoas nesta condição. Na semana seguinte fomos distribuir sopa na UPA do Sabará (zona oeste) e no Hospital da Zona Norte", relembra o empresário Jonas Buitrago Bornholdt, que coordena o projeto.
A partir daí a iniciativa foi se transformando e ganhando mais adeptos. Participantes de células (grupos religiosos que se reúnem em casas para estudar a Bíblia) começaram a colaborar e o projeto se dividiu: é realizado uma vez por semana nas UPA do Sabará e do jardim do Sol, ambas na zona oeste. Atualmente são cerca de 30 jovens. Por conta dos períodos de calor, no final de 2014 passaram a entregar lanches.
A preparação dos sanduíches começa pouco antes das 20h
ORGANIZAÇÃO
O pão é doado por uma panificadora e o restante dos materiais é custeado pela própria igreja. Segundo Bornholdt, a ação é realizada com autorização da direção das instituições e vários protocolos de segurança e cuidados são tomados. "Temos a equipe que leva música e oração, e os voluntários que abordam o pessoal para oferecer o alimento e uma conversa, que é para ouvir a pessoa e falar sobre assuntos em geral. O objetivo disto é mostrar que Deus se importa com elas. Encontramos pessoas estressadas e cansadas, tentamos mudar isto", ressalta.
A preparação dos sanduíches começa pouco antes das 20h e é marcado por muita descontração e troca de ideias entre os voluntários. Na turma das mais animadas, a assistente contábil Renata Aparecida Silva é uma das responsáveis por cortar os alimentos, organizar a cozinha e "tudo mais que precisar", como ela mesma gosta de dizer. "Me sinto muito feliz em poder ajudar, pois sei que estou deixando o conforto da minha casa para fazer o bem", conta. A entrega costuma acontecer no final do noite. "Trabalho o dia todo, ajudo aqui, acabo indo dormir tarde e tenho que acordar cedo, mas este projeto é como um combustível extra na minha semana", acrescenta.
INCENTIVO
Para o coordenador do "Soupa", o fato de poder oferecer auxílio em um momento delicado, que é o problema de saúde, faz do ato um sinônimo de gratidão para todos os envolvidos. "Significa que tenho saúde para estar nestas UPAs. A Bíblia indica que é melhor dar do que receber. Vejo isso na prática. Também me faz reclamar menos da vida, porque existem pessoas precisando mais do que eu", elenca. "Têm aqueles que nos procuram depois e falam que querem ajudar no projeto. Incentivo a fazerem o mesmo em outros lugares", fomenta.
Iniciando recentemente no grupo de voluntários, Davi Inglês saiu de ajudado para ajudante. "Uma vez estava recebendo atendimento e eles trouxeram o lanche, vieram conversar e pensei que um dia iria colaborar. Depois comecei a participar da igreja e foi quando tive conhecimento que o projeto era de lá. Deus tocou no meu coração para estar junto com eles", destaca o estudante.
AMPLIAÇÃO
Com o número cada vez maior de membros, o projeto quer expandir a ação. Está em estudo a viabilidade de fazer o mesmo no PAI (Pronto Atendimento Infantil), que atende uma média de 500 pacientes por dia. "Queremos fazer com calma, primeiro conversar com a enfermeira-chefe, ver as restrições, para deixar tudo alinhado e organizado para não invadirmos o espaço", projeta Bornholdt.
Os jovens atendem cerca de 200 pessoas nas duas UPAs todas as terças-feiras. Nestes 44 meses de projeto eles contabilizam que já entregaram mais de 20 mil lanches, dez mil litros de sucos e 1.500 litros de café.
'Nossa ação tem significado'
Os voluntários do projeto Soupa se deparam com histórias que muitas vezes vão além da assistência oferecida às terças-feiras nas UPAs de Londrina. Um caso que marcou a estudante Sara Pietsiaki aconteceu em 2017, quando a mãe de uma jovem com problemas de saúde, que recebia atendimento na unidade do jardim Sabará, pediu uma ajuda para que ela e a filha pudessem voltar para casa, no jardim São Jorge, zona norte.
"A mãe desta moça falou que ela estava grávida. Até estranhamos, pois ela encontrava-se muito magra. Depois que fizemos uma 'vaquinha' e pedimos uma condução para elas irem embora, comecei a conversar bastante com esta jovem por meio do celular. Ela contou que tinha muitos atritos com o ex-namorado, pois estava em um relacionamento abusivo. Eles separaram, mas era este rapaz que mantinha a casa", relembra.
De acordo com ela, a situação foi dividida com membros da igreja, que resolveram fazer um mutirão para arrecadar alimentos para a família da jovem. "A mãe dela estava desempregada e ficou muito feliz, pois também a indicamos para alguns trabalhos pontuais. Fizemos um ensaio de fotos de gestante para a moça, a encaminhamos para um curso de capacitação e até o chá de bebê organizamos. Foram tantos presentes que até chegou a doar".
Depois deste apoio, a jovem conseguiu se estabilizar, casou novamente e até hoje mantém contato com Pietsiaki, que a considera uma amiga. "Com tudo isso sou mais ajudada do que ajudo. O que as pessoas mais precisam é atenção. Muitas vezes chego e não falo nada, só ouço. Sinto que nossa ação tem significado, pois é uma oportunidade de colocar em prática o que Cristo nos ensina", acredita.
PREENCHENDO VAZIO
Integrando a equipe do projeto há um ano, o bancário Caio Semensato relata que a atividade o fez preencher um vazio que o incomodava. "Comecei a fazer parte de uma célula após o término do colégio e era um momento que estava 'perdido'. Fiquei sabendo do projeto e comecei a ir. Estava meio preocupado em razão do horário, mas quando vi já me sentia integrado com todos", diz ele, que também faz parte da equipe que leva música as unidades de saúde.
Hoje, o jovem não se vê mais fora do "Soupa". "Fui fazendo amizades e vejo que isso faz parte da minha vida. Aqueles sentimentos de vazio acabaram. Ajudo porque gosto e não existe cobrança. É um forma de amar o próximo", elenca. Antes de poder distribuir os alimentos e fazer parte de outras ações do grupo, os interessados passam por um curso de capacitação na capelania da igreja Nova Aliança.
Mesas montadas na entrada das unidades
É com um sorriso e uma mão estendida com um lanche ou um copo de suco ou chá que o grupo tenta dar um pouco de alento ao ambiente hospitalar. Eles chegam, cumprimentam as pessoas e montam algumas mesas na entrada das unidades de saúde. Bastam poucos minutos para que todos os alimentos e bebidas sejam consumidos. "Às vezes tem gente que está aqui e não tem dinheiro para comer. Já é difícil esperar o atendimento por longas horas, com fome é ainda pior", constatou a dona de casa Marineide de Souza, que acompanhava a filha na UPA do jardim do Sol, na rua Abelio Benatti.
Funcionária da unidade desde a inauguração, em 2015, a zeladora Teresa Fátima Marques descreve com entusiamo a visita dos jovens do "Soupa". "É maravilhoso isso que eles fazem. É um pessoal simpático e que se preocupa com quem está trabalhando também. Na terça-feira ficamos esperando a vinda deles. É um reforço para trabalhar", brincou ela, se referindo ao pão, que é recheado com frango.
De acordo com o professor Eduardo Pereira Ferreira, o clima muda quando todos chegam e começam a conversar. "É um projeto bom devido ao período que passamos aqui para acompanhar alguém ou buscar consulta. Fica uma paz quando se depara com este tipo de ato, pois acaba cativando", opinou. "Foi a primeira vez que vejo e foi uma surpresa. Até o Uber eles chamaram para eu poder ir embora para minha casa", celebrou a cabeleireira Ivani Caetano.
Pedro Marconi
Reportagem Local