Publicado por Alynnson Fernandes
ano passado
Inicialmente, necessário uma rápida distinção entre preso provisório e definitivo. Preso provisório é aquele que carente ainda de condenação definitiva, recolhido na prisão em razão de prisão em flagrante, prisão temporária, por decretação de prisão preventiva, pronúncia ou sentença condenatória recorrível. Já o preso definitivo é aquele, que já possui sentença condenatória transitada em julgado.
A Carta Magna, consagra o princípio da presunção de inocência, o qual se qualifica como uma importantíssima cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou que restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral, não podendo, ninguém, absolutamente ninguém, ser tratado como se culpado fosse, antes da sentença condenatória penal, transita em julgado. (MELLO, Celso de. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 135.100/MG)
Certo que, a jurisprudência e a doutrina majoritária, entendem que nenhum direito fundamental é absoluto. Assim, havendo conflito, não existira prevalência, mais uma razão para se realizar a ponderação. No caso, não restam dúvidas, que o uso da tornozeleira eletrônica afronta os direitos fundamentais, e aos princípios da dignidade da pessoa humana, presunção de inocência.
Em determinados casos, o uso da tornozeleira eletrônica, se torna, as vezes mais grave que a própria prisão, havendo casos, em que pessoas prefiram a prisão do que a utilização do equipamento. Situação análoga, ocorreu na Capital do Mato Grosso, onde o detento, já em prisão definitiva, em virtude de sentença condenatória preferiu a cadeia, a usar a tornozeleira eletrônica. http://midianews.com.br/judiciario/detento-de-cuiaba-prefere-cadeiaausar-tornozeleira-eletronica/2...
Certo que, a intenção do legislador, desde a criação da Lei 12.258/10, a qual previu a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância, por meio de tornozeleiras ou pulseiras colocadas no corpo do condenado, foi uma das melhores, entretanto, ao trazer tal possibilidade ao preso provisório, por meio da Lei 12.403/11, que acrescentou o artigo 319 do CPP, feriu gravemente os preceitos constitucionais.
Destaco o posicionamento da advogada Carolina Costa Ferreira, Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UNB e membro do grupo Candango de Criminologia, a qual concluiu que:
O doutrinador Poletti, em sua obra de controle de constitucionalidade das leis, p.128, relata que: “Qualquer norma ou ato que afronte os princípios, preceitos e normas constitucionais padecerá do supremo vício da inconstitucionalidade”.
A proporção de aplicação de tal medida, aumentou demasiadamente, com a implantação das audiências de custódia, onde o preso é apresentado a autoridade judiciária no prazo de 24 horas, onde este analisará a possibilidade de responder o feito em liberdade, para assim, resguardar seus direitos constitucionais.No entanto, na maioria dos casos é aplicada a tornozeleira eletrônica, não permitindo então, a liberdade plena.
Muitas vezes indiciados/acusados, que por algum motivo, são presos e recebem a cautelar do monitoramento, ao retornar ao convívio na comunidade, sofrem tamanha estigmatização, ao ponto que, se possuía emprego é demitido, e dificilmente consegue outro, até a retirada de referido objeto.
Desse modo, deveria, referida norma, ter condicionado a aplicação de tal medida, em casos específicos, eis que aplicar como regra o uso da tornozeleira por argumentos genéricos ferem a dignidade da pessoa humana pela desproporcionalidade da medida, assim, a inconstitucionalidade por ocorrer pela analise caso a caso.
Para Kant o ser humano, o homem, jamais pode ser utilizado como meio para vontade de outros, mais sempre como um fim:
Existe como um fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo, como nas que dirigem aos outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como fim. (KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica do costume. Tradução: Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2000.)
Tal norma, somente seria passível de aplicação, naqueles casos quem que houverem a decretação da prisão domiciliar, com o fim exclusivo de constatar se o acusado está mesmo em casa ou não. Fora dessa hipótese, é um excesso, portanto, inconstitucional seu uso.
Nesse sentido, foi a criação da lei, que implementou o monitoramento na execução penal, vejamos:
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: IV - determinar a prisão domiciliar; (Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica.)
Se percebe ainda, que ao preso provisório, que for imposto a cautelar de monitoramento eletrônico pelo uso da tornozeleira eletrônica, estará ocorrendo a execução antecipada de sua pena, sem o direito de eventual benéfico de detração, o que reforça a inconstitucionalidade da norma.
Isto porque o preso definitivo, que condenado em regime semi-aberto, em virtude da não existência de colônias agrícolas para cumprimento da pena, será aplicada a tornozeleira eletrônica, como pena privativa de liberdade, no entanto, aquele que permaneceu de tornozeleira antes da condenação, não terá a seu favor o benefício da detração, vez que o Código Penal em seu artigo 42, apenas prevê a detração do tempo referente a prisão provisória, administrativa ou de internação.
Nesse liame, o acusado, monitorado via tonozeleira ainda carente da condenação, e se havendo, for aplicado o início do cumprimento de pena no regime semi-aberto, continuará a utilizar o equipamento, pelo período de 1/6 (um sexto) da pena, sem fazer jus a detração, nos moldes do artigo 42 do Código Penal.
Nesse contexto, se observa como a norma constitucional é ferida diante de tantas atrocidades, sendo incompatível com os preceitos defendidos, o que lhe torna inconstitucional diante a desproporcionalidade da medida.
- por Alynnson Correa Fernandes
Advogado, pós graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Pós Graduado em Direito Administrativo e Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso. Membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB - MT.
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