A pretensão aqui é apenas somar e contribuir para a preservação da memória de nosso chão querido, neste dia que lembra um aniversário de uma tragédia, mas também o marco de uma nova era de desenvolvimento. E começo com a introdução ao livro que virá e uma parte da história do café e das geadas até o ano de 1955, que foi a primeira geada que minha família enfrentou, já que chegamos ao Paraná em 1954.
Título do livro:
"A TERRA É SUJA... MAS DÁ PRO SABÃO”.
Lélio César
INTRODUÇÃO
“Não é o crítico que conta, nem o homem que aponta o dedo para as falhas do homem forte ou que mostra onde o realizador poderia ter-se saído melhor. O crédito pertence ao homem que está realmente na arena, cujo rosto está sujo de terra, suor e sangue; que se esforça corajosamente; que erra; que fracassa repetidas vezes, porque não há esforço sem erros e fracassos, mas que realmente se empenha para realizar as tarefas; que sabe o que é ter grande entusiasmo e grande devoção, que exaure suas forças numa causa digna; que, na melhor das hipóteses, descobre, no final, o triunfo das grandes realizações, e na pior delas, caso venha a fracassar, ao menos fracassa ousando muito, de forma que seu lugar nunca será junto às almas frias e tímidas que não conhecem nem a vitória e nem a derrota”.
Theodore Roosevelt
26ºª Presidente americano, de 1901 a 1909.
TÓPICO V DO CAPÍTULO II
GEADA
A maior novidade que a (minha) família mineira iria encontrar em Londrina era também a mais temida: a geada. No ano anterior à nossa chegada, 1953, nos dias 4 e 5 de julho, havia ocorrido uma das mais terríveis geadas enfrentadas pelo Paraná, e mesmo com a safra de café do ano já colhida, trouxe grandes preocupações. Nós não vimos os cafeeiros queimados e secos porque quando chegamos os campos já estavam novamente cobertos pela vegetação verde e pujante, resultado da rápida recuperação da terra. Os cafezais queimados pela geada estavam rebrotando, muitas lavouras novas começavam a florescer e apesar do impacto negativo que causara na economia, a esperança já substituíra o pessimismo que tomara conta de todos. Ainda em Jequitibá, meu pai, seo Idalino Cesar, havia recebido notícias da catástrofe de 1953, mas nem isto arrefeceu seu ânimo para a mudança. A confiança na nova Canaã e a esperança de uma nova vida eram maiores e mais fortes que as notícias ruins que chegavam. Esta é uma característica própria dos seres humanos, a de ter de passar pela experiência e sofrer pessoalmente seus efeitos para acreditar; o apenas ouvir falar geralmente não basta. Em 1954 a geada não veio e nós somente tomaríamos contato real com ela no ano seguinte.
No dia 31 de julho de 1955, domingo, eu fui o primeiro a pular da cama. Já naquele tempo as pessoas aproveitavam os domingos para dormir um pouco mais, e o primeiro compromisso da família, obrigatório, era a Escola Dominical da Igreja Presbiteriana, que começava às nove horas. Eu me levantei mais ou menos às 7 horas e ao abrir uma janela da sala com frente para a Rua Fernando de Noronha levei um grande susto. Os telhados de todas as casas estavam brancos, cobertos de gelo. Tomado de grande excitação, corri quarto por quarto e acordei toda a família contando a grande novidade: “Geou, venham ver o gelo, os telhados estão brancos de geada”, e todos pularam rapidamente das camas para contemplar o espetáculo dos telhados, gramados dos jardins, flores e toda vegetação, cobertos de gelo. Alguns de meus irmãos na verdade já haviam convivido com o gelo da natureza em escaladas feitas ao Pico da Bandeira, em Minas Gerais , especialmente nos meses de inverno, quando encontravam algumas partes da montanha e lagos existentes lá em cima cobertas com uma camada de gelo. Mas o que viam agora era outra coisa, completamente diferente e a euforia que tomou conta de todos diante da novidade, daria lugar mais tarde a grandes preocupações pelas consequências imprevisíveis que o fenômeno da natureza produziria. A novidade rendeu assunto para muito tempo e logo os parentes distantes sabiam dela através das muitas cartas que foram escritas.
Para se dar uma ideia do que representou as geadas de 1953 e 1955 para a economia, vou reproduzir alguns trechos de uma matéria publicada no Novo Jornal, um semanário em policromia editado em Londrina nos anos de 1971 e 1972. A edição refere-se à semana de 16/7 a 23/7/1972, logo após outra terrível geada ocorrida em 9 de julho daquele ano, cujas consequências marcaram uma mudança definitiva na política cafeeira do país. A matéria jornalística traz um balanço das grandes geadas ocorridas no Paraná e suas consequências.
“GEADA X CAFÉ: UMA GUERRA DE MUITAS BATALHAS" foi o título da matéria.
“No dia 3 de julho de 1953, entusiasmados, os jornais paranaenses divulgavam os resultados da safra cafeeira de 1952/53, registrando-se os mais elevados índices no crescente desenvolvimento cafeeiro do Estado. Conforme dados fornecidos pelo Departamento Estadual do Café, da época, o total da safra havia atingido 5.233.862 sacas – um grande salto quantitativo em relação aos totais de outros anos:
1946/47 – 1.675.749 sacas.
1947/48 – 1.852.221 sacas.
1948/49 – 2.266.314 sacas.
1949/50 – 2.436.394 sacas.
1950/51 – 3.930.855 sacas.
1951/52 – 3.206.513 sacas.
19552/53 –5.233.826 sacas.
Diante de outros Estados produtores, o Paraná assumia na época posição privilegiada de desenvolvimento: São Paulo - 7.217.431 sacas, Paraná - 5.233.826, e Minas Gerais – 3.200.000.
Não havia ainda diminuído o entusiasmo ante a vitória quando uma verdadeira ducha fria abateu-se sobre os progressistas produtores paranaenses: a geada de 1953 (dias 4 e 5 de julho) foi uma das maiores já verificadas até hoje em todo o Estado”.
Outros trechos da matéria:
“Os recursos de nossos cafeicultores estavam esgotados, e todos esperavam agora as declarações ou ações do governo federal, que demorou alguns dias a se manifestar. No dia 8 de julho o Instituto Brasileiro do Café divulgou o seguinte informe, ainda mais desalentador que aquele do presidente da APAC: “Segundo os primeiros dados transmitidos pela Comissão da Região Cafeeira, os prejuízos variam entre 80 a 90% nos cafeeiros paranaenses”.
“Enquanto alguns recomeçavam, outros desistiam – três cafeicultores japoneses de Uraí chegaram ao suicídio”. "O senador-jornalista Assis Chateaubriand aproveitava o pessimismo de nossos cafeicultores e declarava no Senado: “Sou visceralmente realista e pobre de imaginação, recuso-me à missão de profeta. Quantas vezes, porém com a minha pena de jornalista tenho dito com a experiência do passado, da temeridade que equivale para nós em levar o “oceano verde” para além do Paranapanema, nas zonas mais frígidas do Paraná”.
Toda a imprensa paranaense criticou o senador, que para alguns era mero defensor da zona cafeeira paulista.
É interessante registrar que alguns anos mais tarde, em 1963, quando o Norte do Paraná atingia os maiores níveis de produção da história cafeeira, e a região em razão disto alcançava desenvolvimento sem similar no Brasil, o jornalista Assis Chateaubriand criou em Londrina a primeira televisão no interior do Brasil, a TV-Coroados – Canal 3, que aparecerá em outros capítulos.
A matéria do Novo Jornal continua:
“Em 55, mais forte, menor calamidade. Na madrugada do dia 31 de julho de 1955, em Londrina a temperatura atingia dois graus abaixo de zero: na lavoura, a geada estava novamente presente”.
Desta vez os órgãos oficiais se manifestaram mais rapidamente: no mesmo dia chegavam a Londrina o Governador e o Secretário da Agricultura. O sr. Oliveira Franco, então governador, após uma rápida visita que fez aos nossos cafezais, declarou: “No geral, as perdas são calculadas em 70%”.
Dois dias depois, com tão grande interesse quanto o do Governador, chegava a Londrina o então Ministro da Agricultura, Bento Munhoz da Rocha Neto: “Pelas observações que fizemos até o momento, somos de parecer que a intensidade do fenômeno desta vez foi menor (referindo-se a 1953), mas que os efeitos serão bem maiores, em razão do grande número de cafeeiros novos atingidos e que logo estariam a produzir”.
Apesar das declarações do Ministro, alguns jornais declararam que a situação seria melhor que a de 53: muitos lavradores já haviam terminado a colheita e havia bastante café estocado, permitindo um controle de preços. Jornais americanos comentaram que além deste fator, havia um outro também significativo: em São Paulo não havia geado”.
Foi esta, a de 1955, a primeira geada que minha família recém-chegada a Londrina enfrentou. Uma novidade assustadora que, entretanto, não arrefeceu o ânimo de ninguém. Basta dizer que na década de 60, antes do refluxo definitivo da cultura do café provocado pelas geadas, o Paraná se tornou o maior produtor mundial, chegando a superar a espantosa cifra de 20 milhões de sacas em algumas safras.
Pela sua importância para o desenvolvimento de Londrina, do Norte do Paraná e próprio Estado, o tema geada café x geada voltará a ser tratado em outros capítulos deste relato.
O-O-O-O-O-O
Naquela época, quando a meteorologia anunciava que que as temperaturas iriam cair muito, a população entrava em alerta e algumas coisas interessantes ocorriam, como narramos a seguir.
“LAGARTEANDO” NA PEDRA
Nas imediações da esquina da Avenida Paraná com Rua São Paulo, nas calçadas da Praça Floriano Peixoto, funcionava também um dos antigos ícones que caracterizavam a efervescência de Londrina. Era a chamada “Pedra”, local onde se reuniam os corretores de imóveis e de carros, identificados como picaretas. A “Pedra” funcionava como um imenso escritório informal de negócios para profissionais autônomos e com a legalização da profissão de corretor imobiliário ela passou a reunir ali quase exclusivamente os corretores de automóveis. O progresso foi empurrando a “Pedra” para longe, forçando sua mudança várias vezes. Ela passou pela Praça Gabriel Martins, posteriormente pela Praça 15 de Novembro no triângulo formado pelas ruas Paraíba, Quintino Bocaiuva e Sergipe e depois foi para a Avenida Leste Oeste, próximo ao Terminal Rodoviário Urbano.
A mureta da Praça Floriano Peixoto entre a Rio de Janeiro e São Paulo era também o local onde cafeicultores, compradores de café, comerciantes, corretores, “picaretas” e curiosos se reuniam em dias de muito frio, especialmente quando havia ameaça ou ocorriam geadas. No período da manhã o sol incidia forte e claro diretamente sobre a calçada da Praça, e a exemplo do que faz os lagartos em dias frios, as pessoas procuravam o sol para se aquecer encostadas na mureta e aproveitar para jogar conversa fora comentando os efeitos do frio ou da geada sobre os cafezais. Este costume popularizou o termo “lagartear”, ou seja, as pessoas “lagarteavam ao sol” na calçada da praça. De vez em quando os contumazes frequentadores do local atravessavam a Avenida para saborear o tradicional cafezinho quente em dois ou três bares existentes no quarteirão e voltavam rápido para se aquecer. Esta parte da memória da cidade também foi desprezada anos mais tarde, quando um “inteligente prefeito” mandou demolir a mureta da Praça Floriano Peixoto. Em seu lugar foi construída uma imensa escadaria onde se alojaram hippies e vendedores de artesanato.
Fotos:
1- Colheita da Café;
2- Derriça de Café;
3.- A geada negra;
4 e 5 - os jornais Folha de Londrina e Panorama noticiam a
tragédia de 1975.
6- A ponta da Praça Marechal Floriano Peixoto onde começava a
"Pedra" e o "Muro da Vergonha", onde as pessoas se
encostavam para "lagartear" nos dias gelados.