AH A MODERNIDADE...
Muitas coisas evoluem, todavia, nem sempre com a praticidade desejada.
Dia desses, em momento de refeição ligeira, deparei-me com um sachê de tempero para salada. Belo invólucro, colorido e com dizeres enaltecendo o produto. Todavia, como é comum ocorrer com esses artigos, a indicação do local próprio para abertura era quase invisível e, seguindo meu instinto natural para gafes, já tentei abrir pelo lado errado. Percebendo a falha, atentei que a inscrição “abra aqui” estava do lado oposto do envelope.
Com as unhas tentei, sem sucesso, o rompimento desejado. Movimentos alternados em sentido contrário não surtiram efeito. Parti para ignorância. Deixando a higiene de lado apelei para intervenção dos dentes. Apesar do relativo sucesso não alcancei o objetivo pois, embora tenha rasgado parte da inscrição “abra aqui”, o sache não se abriu e piorou a situação uma vez que não tinha mais “pega” para nova tentativa...Melhor deixar a salada de lado.
Estas e(in)voluções tecnológicas por vezes nos tiram do sério, mas, de outra parte, resultam em lembranças e associações com outros produtos que alteraram sua embalagem trazendo junto seus casos.
Houve um tempo em que o leite era vendido de porta em porta pelos produtores. Na rua, ao grito de “leiteiro”, recordo-me de minha mãe apanhar um recipiente e ir ao encontro do respeitoso senhor que enchia um litro de vidro com o produto (medida) e o despejava na leiteira.
Após fervido o leite “gordo” oferecia uma espessa camada de nata, subproduto que, tal qual times de futebol, é amado por uns e detestado por outros.
Pois com o tempo esta rotina mudou. O leite passou a ser comercializado pelas “vendas” e depois supermercados e padarias. Primeiro em garrafas de vidro, substituída, por questões de custo, pelo sacos de plástico.
Pois bem. Quando o leite começou a ser comercializado em sacos de plásticos recordo-me que havia propaganda na televisão (TV Coroados de Londrina) sobre as vantagens do produto. O protagonista era o palhaço “Picolino”, personagem criado pelo excelente humorista circense Ricardo Queirolo, que fez sucesso na região no final da década de 60 início da de 70 com as artimanhas praticadas junto a seu fiel escudeiro “Castelinho” (não recordo o nome do ator que o interpretava). Em alta, o personagem era atração de outros comerciais, como o da “Balas Chita”, por exemplo, com sua embalagem (por falar nelas) com a figura de um macaco em referência ao filme do Tarzan, mas isto é outra história.
Lembro-me que, no comercial, “Picolino” falava sobre as qualidades da nova embalagem e, no final, com o intuito de mostrar a resistência do material, o palhaço erguia o saco de leite até a altura do ombro e o deixava cair, assegurando que não estourava.
Pois bem....Naqueles dias recebemos em nossa casa a visita da querida Tia Janda (Jandira), proveniente da cidade de Dourados-MS (‘MS’ hoje, na época, ‘MT’).
A noite, depois do jantar, em conversa de atualização dos assuntos da família, meu pai, em seus repentes de celebridade, resolveu mostrar para sua irmã a novidade, posto que esta desconhecia o produto. Repetindo os dizeres do comercial, ele discorreu sobre as vantagens da higienização, mencionou que o produto era pasteurizado dispensando a fervura e, pretendendo fechar com chave de ouro, relatou sobre a resistência da embalagem e, mesmo sem que minha tia manifestasse desconfiança, repetiu o gesto final da propaganda, arremessando o saco de leite ao chão...
Ainda me lembro da “bronca” de minha mãe e das ordens para buscar panos, rodo e balde. No dia seguinte, não tivemos leite no
café da manhã... HORÁCIO NEGRÃO FILHO
COMENTÁRIO: Ri bastante Horácio de tudo o que você escreveu. Eu já passei por isso também. Principalmente essa maratona de tentar romper o sache de Catchup. Um dia cheguei a pedir uma tesoura para abriu um. Lembro-me também do palhaço Picolino abrindo o saquinho de leite Cativa com um tesoura e depois bebendo em grandes goles. Foi uma grande novidade. O que tinha de criança no outro dia pedindo para a mãe comprar... É que - conforme você escreveu - 99% das famílias compravam leite diretamente do leiteiro, que passava todos os dias com a carroça puxada por cavalo. Como tive o prazer de ser amigo do seu saudoso pai, fantasiei a cena que você contou dele explicando as vantagens do leite pasteurizado. Foi como eu estivesse vendo um filme, imaginei a cara dele (e de vocês) quando o saquinho explodiu sujando a cozinha. Cara... você é um grande escritor. Isso dá um roteiro de cinema. Que tal rodarmos um vídeos sobre essa e demais estórias? Um abraço meu amigo. Continue escrevendo. A Academia lhe espera. JOSÉ CARLOS FARINA