BRASÍLIA e SÃO PAULO - A Procuradoria Geral da República terá que decidir o que fazer com um ofício que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro, assinado por advogados do operador do mensalão, Marcos Valério, sugerindo a delação premiada — quando o réu pode colaborar com a Justiça contando mais detalhes do crime em troca de benefícios.
No documento, a defesa também afirma que Valério está correndo risco de morte e, por isso, deveria ser incluído na lei de proteção a testemunhas. Para o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, uma eventual delação de Valério não mudaria nada no atual processo do mensalão, pois a investigação terminou.
— Na minha opinião, a esta altura, não (influencia). Mas o relator (Joaquim Barbosa) é quem vai se pronunciar — disse Ayres Britto.
Em conversas reservadas, três ministros do STF também afirmaram que, nesta fase do julgamento, um novo depoimento não altera em nada o processo. No entanto, poderia afetar processos derivados do mensalão a que Valério e outros réus respondem em outras instâncias do Judiciário.
Um dos ministros afirmou que eventual decisão concedendo a Valério o benefício da lei de proteção a testemunhas afetaria o cumprimento da pena imposta a ele no mensalão.
Semana passada, os ministros fixaram a pena de Valério em 40 anos, um mês e seis dias de reclusão, mais pagamento de multa. Como o tempo é superior a oito anos, o regime de cumprimento é inicialmente o fechado. Se houver proteção a Valério, o cumprimento poderá ser repensado pelo juiz de execução de Minas Gerais.
Logo que recebeu o pedido, via fax, Ayres Britto determinou sigilo e o encaminhou ao relator. O pedido tramita de forma isolada, sem ligação com o processo principal.
— Chegou um fax. Não posso dizer o conteúdo, porque está sob sigilo, mas é hiperlacônico — disse Ayres Britto.
Marcelo Leonardo, advogado de Valério não negou nem confirmou ser o autor do pedido.
— Nada a declarar — disse.
Semana passada, Leonardo disse ao GLOBO que Valério tem informações para ajudar nos outros processos.
— Em relação a este julgamento, que já está perto do fim, não teria mais nada a acrescentar. O mesmo não pode ser dito em relação a outros processos — disse o advogado, referindo-se às ações a que Valério responde nas instâncias federal e estadual.
No último memorial entregue aos ministros do STF, Leonardo alegou que seu cliente atuou como colaborador no processo ao entregar a lista de beneficiários dos recursos distribuídos por suas empresas. Mas o MP não concorda.
Para o ex-ministro do STF Carlos Velloso, a delação de Valério pode alterar a pena já imposta a ele no mensalão:
— Ele certamente quer que a delação influa na dosimetria da pena. Isso pode acontecer, dependendo da informação que ele traz. As informações podem ser objeto de novo inquérito contra pessoas ainda não envolvidas no caso.
Segundo Velloso, a inclusão de Valério na lei de proteção a testemunhas pode alterar o regime de prisão:
— Ele pode ficar numa prisão de segurança, com isolamento. Se ele realmente fizer a delação e ficar junto de outros presos, vai correr perigo.
Ayres Britto também confirmou que o Ministério Público Federal pediu a Barbosa para confiscar o passaporte dos réus no processo. Segundo o presidente da Corte, ainda não houve decisão. O relator está em viagem para tratamento de saúde na Alemanha.