FOLHAWEB
‘CINE PAIOLZÃO’ - Projetando um mundo de possibilidades
Fazenda ambiental utiliza linguagem cinematográfica para estimular a criatividade
Ao conhecerem as cobras cascavel mantidas na fazenda, estudantes aprendem sobre a importância de se respeitar o ecossistema de cada espécie
A tulha de café virou um espaço para debate de ideias, onde cabem reflexões sobre sustentabilidade, consumismo, mercado de trabalho e outros temas
Alunos são convidados a tocarem o sino da forma mais silenciosa possível – um jeito criativo de acalmar o agito típico das crianças
Cine Paiolzão promove sessões gratuitas de filmes aos domingos, em Rolândia; na semana passada, escola de Cambé foi conhecer a iniciativa
"Eu não gosto da escola porque não gosto de estudar." Com a sinceridade típica das crianças, a aluna Evelin Nicole Alves, 10 anos, deixa registrado a giz no terreirão da Fazenda Bimini, em Rolândia, os seus sentimentos em relação à escola, logo no início do passeio. Sem censura ou recriminação, o ambientalista Daniel Steidle, 49 anos, pede para que ela traduza melhor a sua insatisfação para que assim possam buscar um caminho de diálogo. Taxativa, ela complementa: "a escola é chata porque não gosto de ficar presa".
A partir disso o grupo de alunos da Escola Municipal Consolación Montes Hernandez, de Cambé, são convidados a refletir sobre o assunto e do quanto é possível aprender com os elementos da natureza dentro de uma abordagem não formal de ensino. "É preciso construir uma sintonia entre o que o sistema exige e a cabeça das crianças, que precisam ter a sua individualidade respeitada para poderem desenvolver diferentes potenciais", afirma Daniel, que há 20 anos se dedica à educação ambiental.
Refletir brincando
Inventivo e dinâmico, Daniel, acompanhado pela sua mãe, Ruth Steidle, 74 anos, começa o roteiro do dia apresentando a antiga tulha de café da fazenda que hoje virou um grande espaço de debate de ideias. Antes de entrar, os alunos são convidados a tocarem o sino disposto na entrada da forma mais silenciosa possível – um jeito criativo de acalmar o agito típico da idade dos visitantes.
Na roda da conversa, os alunos são convidados a partilhar suas visões de mundo. Sustentabilidade, consumismo, materialismo, mercado de trabalho são temas que vão surgindo espontaneamente e sendo ilustrados de forma lúdica. Um exemplo é a brincadeira da dança das cadeiras que serve para demonstrar o processo de competição. "Na escola somos o tempo todo estimulados para disputar, conquistar um lugar, mas será que tem lugar para todo mundo?", questiona Daniel.
Magia do cinema
Ao fomentar algumas reflexões sobre a importância de evitar o consumo excessivo e criar relações em que o dinheiro não seja o único aspecto a ser valorizado, ele introduz a temática do cinema, reforçando que "a magia do cinema pode ser usada para transformar o mundo". Dentro dessa ideia, ele relata algumas experiências que ele e os filhos tiveram com a produção de vídeos caseiros com a utilização de máquinas fotográficas ou celular. "As crianças, até mesmo pela sua altura, enxergam o mundo de uma forma diferente, e é muito interessante ver o resultado das coisas que registram. Vocês devem aproveitar a curiosidade que faz parte de vocês e saírem a campo para fazerem os seus registros", incentiva.
Assim, ele dá o mote para o Cine Paiolzão, projeto que está sendo aplicado na fazenda desde o começo do ano e conta com sessões gratuitas de filmes e produções caseiras aos domingos, às 15h30. Aproveitando antigos bancos de uma igreja, o velho paiol de milho virou uma aconchegante sala de projeção de filmes. Na entrada, os alunos são solicitados a retirarem os sapatos para que possam sentir melhor o piso de madeira. Nas paredes, belas telas de Ferdinand Steidle, pai do Daniel, que foi um artista renomado na Alemanha.
'Meio/meu ambiente'
No escurinho do cinema, os alunos se preparam para assistir à exibição de um curta-metragem sobre o fotógrafo Haruo Ohara (1909-1999) e o ensaio fotográfico que a fotógrafa nova iorquina Lily Solmssen Moureax fez com os moradores do distrito Nossa Senhora Aparecida, mais conhecido como Bartira, próximo a Rolândia, em 2009.
"Vocês não vão assistir a contos de fada, são filmes diferentes, que não estão acostumados. Prestem atenção aos detalhes, às coisas simples registradas, às maravilhas do 'meio/meu ambiente', pois a vida tem muitas possibilidades", Daniel anuncia.
Levados pela poesia em movimento dos dois filmes, os alunos demonstram uma grande capacidade de se concentrar, e dão uma salva de palmas no final da exibição. Da textura das folhas registrada por Haruo Ohara aos sorrisos da gente simples do Bartira, eles saem da experiência com um semblante feliz. "A escola deve ser um espaço para crescer. Comecem vocês o trabalho agora, olhem de maneira especial para as coisas, brilhem os seus sonhos na tela. E valorizem o trabalho em grupo", recomenda Daniel.
O professor de arte Gabriel Faedrich, que também é cineasta, defende a ideia e contou que já aplica na sua prática pedagógica a realização de filmes com as crianças. "Dá muito certo e eles adoram. Participam de todas as etapas, inclusive no roteiro. Com os menores, do pré, é ainda mais divertido, pela criatividade aflorada deles. Nesse caso, gosto de trabalhar com o conceito de histórias em quadrinhos", afirma, lembrando da importância da escola investir em professores com formação específica em arte.
Ecossistema
Após um rápido lanche, os alunos participam de algumas brincadeiras e conhecem as cobras cascavel mantidas na fazenda: a Quadrilha e a Bete. No bate-papo informal, noções básicas da necessidade de se respeitar o ecossistema de cada espécie. Eles também conhecem um pouco do Projeto Arco-Íris, em que um painel com pinturas infantis dão o recado da importância de preservar o meio/meu ambiente para a manutenção da vida presente e futura.
Vale lembrar que a pequena Evelin foi uma das alunas mais participantes em toda a visita, e voltou para o ônibus com um sorriso estampado no rosto depois da aula a céu aberto.