Sinos sempre me fascinaram, porque durante minha adolescência fui batedor de sino da igreja de minha terra natal, um lugar de 7 mil habitantes situado num privilegiado ponto do globo terrestre – precisamente Meleiro (SC). Minha função era tocar o sino às 6 da manhã, ao meio-dia, às 6 da tarde, antes das missas e quando morria gente.
Bater o sino fora de hora só podia ser sinal de notícia ruim, e todos logo se acercavam do templo para saber quem era o finado. Dona Teresa Búrigo, boa e santa mulher, era a primeira a chegar. (Um dia os sinos viriam a dobrar também por ela, e ela não estava ali para perguntar)… Eu exercia essa tarefa de forma profissional, e ganhava por isso dos paroquianos, em forma de produtos da lavoura, que depois eu vendia. Tudo em acordo com o padre.
Nos casos de morte, eu não só a anunciava, como tocava o sino continuamente enquanto durava o cortejo fúnebre. O cemitério era perto e eu dava os repiques do sino calculando os passos dos acompanhantes. Porque eu estava dentro do templo e não podia ver. Mortes de crianças eram as mais dolorosas. O anúncio era diferente: eu subia até o alto do campanário, por uma escadaria interna, e repicava o sino com duas varetas metálicas. Era um toque suave e ritmado, mas muito triste, como um som de lamento.
Em dia de festa – como a da padroeira Nossa Senhora de Glória, em 15 de agosto – o padre não queria que houvesse dança no salão local (as denominadas domingueiras, que eram de dia). É que a rapaziada, em vez de gastar o dinheiro nas barracas da igreja, ia dançar. Então, o padre me mandava tocar o sino, e eu tocava até o gaiteiro parar. Era uma heresia gente dançando com o sino tocando… Mas eu também anunciava as coisas alegres, como a missa grande das 10 horas dos domingos. Os fiéis chegavam cedo, porque esse momento no adro da igreja era um agradável momento de encontro. Às 9 a primeira batida, às 9h30 a segunda, e a última na hora dos fiéis entrarem. Os homens vestiam terno e gravata e as mulheres os mais finos vestidos. Eu tinha a chave da igreja, cantava no coral, composto de meia dúzia de vozes bem-intencionadas, e tocava um pouco o harmônio – um instrumento de teclado e foles, ainda hoje guardado lá como relíquia.
Bater um sino exige maestria. Não é só ir chegando a puxando a corda. É preciso ter um embalo cadenciado, no ritmo da subida e descida daquele pesado instrumento de bronze. Um descompasso entre homem e sino pode arrebentar a corda ou o balancim, destroncar os braços do sineiro ou arrancar-lhe a pele das mãos. Na hora de parar é preciso medir a intensidade do vai-e-vem e ir brecando com habilidade. Brecada brusca seria uma imprudência. Pode-se extrair daquele sonoro metal várias notas musicais, dependendo da sutileza de manipular a corda, em seu ir e vir, e fazer breaks suaves no tempo certo.
Sino é como gente, tem alma e gosta de carinho. Toca conforme a afeição que o sineiro nutre por ele. Sorri, geme, chora. Pode-se brincar com ele à vontade. Sino lá em cima, você embaixo, um sem ver o outro, mas ambos sintonizados e sentindo-se. Sino conhece o dono e sente o respeito que este lhe dá. Já escrevi certa vez que cidade sem sino é como uma cidade sem voz. Rolândia do padre Agius vai doravante erguer mais alto sua voz, irradiar benfazejas vibrações e robustecer a fé cristã de seus fiéis.
Walmor Macarini é jornalista em Londrina