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sábado, 29 de outubro de 2016

ACHADO UM CEMITÉRIO DO TEMPO DOS ESCRAVIDÃO EM ARAPOTI - PR.

FOLHA DE LONDRINA.

Vestígios da escravidão


Descendentes dos escravos da Fazenda Boa Vista, em Arapoti, lutam pela preservação e acesso a cemitério e construções históricas

Fotos: Marcos Zanutto
Pedro Carneiro dos Passos mostra o que restou dos pilares que adornavam a fachada do casarão

Arapoti - Sob a sombra de uma figueira centenária repousa uma parte da história do Paraná. O cemitério de escravos da Fazenda Boa Vista, em Arapoti (Campos Gerais), é um dos poucos vestígios da escravidão no Estado. Ali estão sepultados os antepassados da comunidade negra de Arapoti, Ventania, Piraí do Sul, Jaguaraíva e Castro. 
A fazenda também guarda outro tesouro, que está se perdendo no tempo: as ruínas da casa grande e área da senzala. Era a sede de uma das mais importantes fazendas de escravos da região. Estima-se que o casarão tinha em torno de 800 metros quadrados, com espaço da senzala, salas e pátio onde os escravos eram torturados. 
Hoje, restaram apenas os arcos da entrada e algumas paredes e cômodos. Feitas de barro com taquara trançada e amarradas de cipó, as paredes estão corroídas pelo tempo. "Meu avó contava que eles penduravam os escravos de cabeça para baixo", revela Pedro Carneiro dos Passos, presidente da Comunidade Quilombola do Município de Arapoti, apontando para o que um dia foi a senzala. 
Passos nasceu e cresceu na Fazenda Boa Vista ouvindo as histórias de trabalho duro e torturas que os negros sofriam. Foram os escravos que construíram o casarão e o muro de pedra que circundava toda a área. Agora, há apenas parte da estrutura de pedra. Os pilares de sustentação da casa e que adornavam a fachada do casarão foram moldados no machado. 
"Tinha muita festa aqui. A minha mãe e as minhas tias cozinhavam para os fazendeiros que vinham de Castro. Atrás da casa tinha uma valeta grande, onde meu pai assava a carne para as festas", conta Passos. 
Com a abolição, os escravos receberam os sobrenomes dos donos da propriedade: Xavier e Carneiro. Os negros permaneceram por várias décadas na Boa Vista até o local trocar de dono. Aos poucos eles foram sendo retirados. 
Seu Amazonas Xavier da Silva, de 83 anos, nasceu e viveu por 68 anos na propriedade. Seu bisavô foi um dos escravos que ergueram a casa e os muros. O avô também foi escravo. "Eles diziam que a vida era muito sofrida." Debilitado e com saúde frágil, seu Amazonas não vai mais visitar o lugar, mas sente saudades de lá. "A casa da fazenda era bem diferente, era bem construída." Mesmo depois de casado com Maria José Teixeira da Silva, de 73 anos, a família permaneceu na Boa Vista até ser mandada embora. 

Os proprietários também foram, aos poucos, mudando as características da sede, colocando elementos mais modernos. Uma capela foi construída, segundo Passos, lá pela década de 1960. A capela e o cemitério ainda são visitados pela comunidade negra. "Quando era piá não ligava muito, mas hoje percebo o valor que essas coisas têm. É a maior tristeza de ver onde você se criou ser abandonado assim", diz Passos.
Gilmar de Oliveira Carneiro, de 55 anos, morou na Boa Vista até os 5 anos, tem pouca lembrança do lugar, mas guarda na memória as histórias que o pai contava. "Ele dizia que meu avô (que morreu com 102 anos e está enterrado na fazenda) era o escravo responsável por cuidar de tudo aqui", recordou. Carneiro defende a preservação e restauração do lugar. 
A área foi cadastrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como sítio arqueológico. Qualquer intervenção precisa de autorização do órgão. Mas antes do cadastro, segundo a comunidade, um dos antigos proprietários depredou as construções. 


Entre as várias lendas do cemitério da Fazenda Boa Vista, uma das mais conhecidas é a de que os ricos escondiam dinheiro e joias nos túmulos

DINHEIRO ENTERRADO 
Cemitério antigo já guarda muitas histórias, imagina então um da época dos escravos. Entre as várias lendas do cemitério da Fazenda Boa Vista, uma das mais conhecidas é a de que os fazendeiros ricos escondiam dinheiro e joias nos túmulos. 
Sebastião Xavier, de 77 anos, recordou que, certa vez, dois homens foram abrir uma cova e antes de atingirem os sete palmos de altura bateram em uma laje. Eles pararam de cavar e fizeram o sepultamento. Comentaram o ocorrido com o povo da região, e naquela noite alguém escavou por baixo da sepultura para descobrir o que tinha embaixo da laje. "Nunca soube o que eles encontraram. Esse outro aqui - apontando para um túmulo - também foi escavado. O povo procurava dinheiro enterrado", conta. 
Xavier ajudou a construir alguns dos túmulos que ainda permanecem de pé. O cemitério recebeu sepultamentos até meados da década de 1980. Um dos túmulos mais recentes é de 1985. Ali descansam escravos, donos de fazenda e moradores da região. Mas o espaço de brancos e negros era delimitado. 
Na época em que os negros moravam na Boa Vista, o cemitério também servia de espaço para as crianças brincarem. José Maria Xavier, de 74 anos, recorda de uma vez que quase foi "morar de vez no cemitério". "Eu tinha uns 6 anos e subi na cerca para ver um ninho de passarinho. Escorreguei e fiquei espetado no arame. Quase que vim para cá de vez", diz. 
Foi Sebastião Xavier quem socorreu o menino. José Maria é fruto de um caso extraconjugal do antigo proprietário, Antonino José Xavier. Ele conta que o pai se apaixonou pela mãe dele, que era empregada na fazenda. Depois que o pai morreu, ele foi levado para morar com outra família em Castro e nunca mais tinha voltado à Boa Vista. "Fiquei uns 60 anos sem entrar aqui no cemitério. Vir aqui é abrir meu coração."
Aline Machado Parodi
Reportagem Local

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